Testemunha do coronel

O coronel se destacava entre os caminhantes da Praça de Casa Forte. Idade avançada, já meio surdo, falava alto com gestos largos, e gostava de contar históricas vividas ou por ouvir dizer. Além disso, nas décadas de 1960 e 1970, ocupara cargos políticos de razoável visibilidade, em Pernambuco e no Ceará. Eu estudei e trabalhei muitos anos em Fortaleza, portanto, sabia da fama do coronel. E de suas bravatas. Ao narrar episódios do passado, às vezes, ele apresentava falhas de memória. Certo dia, contava um caso banal e lá para as tantas, tentou citar o nome de um animal, mas embasbacou… aquele bichinho… como é que se chama… um que balança o rabo, que anda farejando… e quando encontra um poste dá uma mijada…

– Cachorro, coronel, cachorro!

– Isso mesmo um cachorro… pois bem…

Eu era novato no grupo e o mais jovem dos caminhantes da histórica Praça da Casa Forte, zona norte do Recife. Ouvia mais do que falava. Prestava atenção a tudo, até pelo interesse em conhecer melhor personagens e costumes de uma cidade rica de acontecimentos inusitados. E cheia de muitas fofocas. Certo dia, o velho coronel reformado do Exército narrava um episódio por ele protagonizado, quando exercia função política de primeiro escalão no governo do Ceará. Citou então um jornaleco cujo dono era um atrevido jornalista, metido a macho, que andou escrevendo cobras e lagartos de sua gestão na prestigiada área de segurança pública. O coronel não contou conversa. Convocou homens de inteira confiança e determinou:

– Vamos dar uma surra nesse moleque… olhem bem, uma surra, só uma surra para servir de lição, tá entendido?

Ordem dada, ordem cumprida.

Já no final da narrativa, eu falei alto e forte o nome do jornalista. O coronel parou entusiasmado e, como quem invoca o testemunho para dar foros de verdade à história, proclamou:

– Tão vendo vocês? Ele sabe, ele não me deixa mentir!

Não me fiz de rogado. Sei de tudo, coronel, esse caso se deu assim e assado… e completei a narração do escândalo largamente divulgado na mídia cearense, as imagens da vítima coberta de hematomas! E revelei: o jornalista foi meu contemporâneo na Faculdade de Direito de Fortaleza, casado com uma colega de sala, aliás, muito bonita, que havia concorrido ao troféu de miss Ceará.

O coronel exultou. Babava de rir com meu testemunho da narrativa de seu grande feito, numa época em que outro coronel mandava no Ceará!

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