O povo wiaóke II

Na minha frente, o mundo se abria, vertiginoso, dizendo aos meus olhos que tudo é um mistério voador. Um cheiro alegre e acolhedor me fez chorar pelas narinas. Era um espirro aos montes, rasgando e, ao mesmo tempo, abraçando-me por dentro. As cores eram gradativas: mel, coco-do-mato, algaroba.

Misturavam-se as vontades como o açúcar n’água e, à medida que se confundiam dentro do meu imaginário, ganhavam outros timbres alados: muçambê, erva-doce, ar-condicionado, papel novo… Eu ia ganhando sentidos também, pacíficos e ondulados, e nem notava a diferença de um para o outro. Certo segundo, aumentei de tamanho: acho que era de tristeza sólida. Não sei.

“É chorar e não poder”. Olhei para as descobertas, que eram cinco, e as estradas, que eram quatro. Um dos caminhos, sem começo ou trilha a ser seguida, foi estendendo as mãos. Foi aí que me assustei de curiosidade e arrepiei os dentes. Quando acordei, estava dentro de uma espécie de saco esponjoso, pendurado numa árvore imensa. Imensa, imensa, imensa: um desmantelo belo. Posso chamá-la até de gigante porque já era noite e vi estrelas de muito perto, quase cegando a minha euforia. De repente, atiraram no saco com um dardo cintilante. Caí numa superfície florida.

Ouvi, de longe, muito longe:

– Viô carpê vonde viô! Viô! Aaaaa… – alguém de voz grave e pastosa. Dava medo.

– Viô! – respondi, sem querer. A minha voz foi saindo em fios.

A voz do outro se transformou num badalo, imitando um sino de mosteiro. Badalava cada vez mais forte, aumentava e me deixava sem medidas. Sussurrei:

– Alguém aí pode responder?

Num disparo ameaçador, um clarão foi se agarrando ao céu. Espalhava-se no ar, como uma fumaça ocre, que ganhava minha simpatia, aos pedaços. Não acreditava nem na metade do que estava vendo. Depois de dois anos de seca, a região inteira tomava o banho da felicidade. Foi chuva por todos os lados. 

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