Um chiclete

“Para ser feliz, um pouco de razão aliada à emoção”. Isto é o básico dos livros de auto-ajuda, aqueles manuais com o odor da teoria pasteurizada, repletos de futilidades.

Devo estar sendo egoísta com os pobres escritores que, por não se saberem escritores, acabam se lambuzando na política barata do mercado editorial. Os livros, muitos deles, são até caros e assumem uma postura de raridade. Grande mentira. Livros assim são construídos mais facilmente. Receitas mentirosas e bobas são simples, são rasas, são patéticas. 

Estorietas que se dizem fábulas, tão boazinhas, não passam de pontes para o estrelato. Que estrelas mais doentes. Mas os alquimistas, os magos e seus diários, as pontes de cristal, as bruxas sádicas, a astrologia ditadora, os faladores em público, os doutores do sucesso, estão ricos. Reclamar do quê? 

Você deve estar me achando com cara de auto-suficiente. Não. E eu sei que eu posso estar sendo injusta com aqueles que querem ser iniciados na vida literária, mas não quero acreditar nessas boas intenções. Posso acreditar na falta de criatividade e de tempo.

Muita gente boa, que possui um bom grau de discernimento e de audácia, uma boa redação e uma boa convicção nas veias, entra no esgoto da ajuda. Seguir pelo caminho mais óbvio é o retrato da mediocridade, da antipatia pela coragem, da tristeza. Essas pessoas, na maioria das vezes, são profundamente tristes. Quem não sabe criar é triste e sozinho. Quem não se arrisca na criação é medroso, traumático, indisposto. Não estou dizendo que tudo o que é válido na Literatura está no campo ficcional. Nunca. Abrigamos grandes ensaístas, grandes pensadores, grandes conhecedores de tantos assuntos reais, perto de nós e dos nossos lares e filhos.

Talvez eu esteja sendo radical com aquelas pessoas que escrevem para o bem e por Deus. Está certo. Mas, quando a religiosidade desova nesse rio de negócios, eu passo a desacreditar no autor. Minha fé vira estátua. E que ajuda mais frouxa: como fazer isso, como ser aquilo, como ganhar tal coisa, como atingir tal objetivo. Como se existisse uma receita para a felicidade. Que piada.

É que existe a fragilidade humana. Já ia me esquecendo. É que existe gente que se entrega a esse tipo de miséria mental. Gente que não sabe pensar direito, que não foi educada com dignidade e segurança, que não sabe andar de maneira esguia. Gente que não tem tanta culpa. Gente que, na falta do que ler e do que seguir, procura esse deus mesquinho da ajuda. A autêntica Literatura está arrepiada com essa postura comercialóide. 

Alguns livros são até compreensíveis, mas eu nem quero suar para citá-los. Já que eles estão no bolo, na famigerada categoria do auxílio vão, deixo-os para lá, para a dentadura afiada das traças. Se eu pudesse, manteria um cativeiro de traças gordas e vermelhas, somente para destruir os livros de auto-ajuda.

“Traças, traças, atenção, convoco todas as traças do mundo: esses livros danosos são todos de vocês!”.

O mercado editorial, que não é besta, está à procura de escriturários fajutos. Dinheiro é isso. Qual é o vendedor de livros que quer saber de conteúdo? Ele quer saber de uma capinha agradável que atrai quem é burro. Ele quer saber do nome que está na primeira página, mais lustroso e famoso do que o próprio enredo, do que a própria obra.

Não posso chamar um escritor de livros fáceis de escritor. Seria demais. Ele é, na verdade, um comerciante frio, um marketeiro leviano, um parasita da indústria gráfica. Acaso ele sabe o que é ser literário? 

A Literatura é a Natureza para o emaranhado das letras. É ela quem propõe o ciclo, é ela quem supre as necessidades da vontade de escrever, é ela quem realiza as trocas de energia, é ela quem promove a lei da caça, é ela quem se transmuda em beleza. Que beleza, a Literatura. Quem sou eu para falar dela? Quem sou eu para estar nela? Quem somos?

Literatura é mundo transformado, é história, é o anúncio à humanidade de que algo de novo, de contundente foi estabelecido pelo pensamento, que virou fato, entranhado no ritmo das vidas. Perpetuação. A auto-ajuda, ao contrário, é um chiclete. É o descartável dentro de uma cabeça também descartável.

Quando se lê sem o compromisso da ajuda, acaba-se sendo ajudado. A ajuda escancarada, vendida, é que é mórbida: um zumbi, uma porta, um rato. Que ajuda sem sentido. Que falta do que dizer, do que inventar, do que falsificar.

Literatura não é somente caridade, vaidade, fama. Literatura é nascimento que se completa com o desejo de estar vivo, ali, no pára-quedas, na boca do tubarão. É campo minado, meu amigo.

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