Tocando em frente

Toda saudação inicial tem que ser acompanhada de uma informação, creio eu. Assim é que, com a devida vênia, uso o Con il suo permesso, espécie de bordão emprestado de nossa coirmã língua italiana, como uma forma de homenagear Renato Teixeira e Almir Sater, autores de um já clássico de nossa um tanto quanto “desgastada” Música Popular Brasileira. É que esta coluna, a ser publicada neste periódico, sempre aos domingos, levará, como carta de apresentação, o nome da bela criação musical da dupla paulista/mato-grossense.

Afinal, aqui falaremos de reminiscências, fatos, textos e eventos vinculados ao universo musical que nos circunda. Falaremos de compositores, “letristas” (poetas), intérpretes e criações musicais que têm dominado o nosso cotidiano. Atente-se, porém, para o que diz a dupla supracitada: “Eu só levo a certeza / de que muito pouco em sei. / Nada sei”. E eu, atrevidamente, parodio, completando: quero conhecer as músicas, o “sabor” das músicas, porque “é preciso amar para poder pulsar” e pra poder seguir… Assim é e assim será, porque a música é como um bálsamo que nos purifica a vida e ajuda-nos a sonhar, a viver, como já dizia o compositor austríaco Kurt Pahlen: “A música é […] o desdobrar das asas da alma, o despertar e a realização de todos os sonhos e anseios de quem verdadeiramente a ama…”

Falarei, então, de músicas, de boas músicas – diga-se de passagem – que fizeram, fazem e farão parte de nossa existência.

Fique claro aos leitores que buscaremos fugir de obviedades, partindo para a “descoberta” de um “algo mais” que a primeira das consagradas sete artes, a Música, nos traz de mais embevecedor, sem, no entanto, fugirmos do dia a dia provinciano, quando, em anos distantes, “degustávamos” a convivência com as idas diárias às nossas lojas de discos, como, nos anos 50/60, já o fazia o expert Brian Samuel Epstein (1934-1967), balconista e gerente de uma loja de discos, até conhecer os garotos de Liverpool. Mas, aí, já será outra história… Os amantes do quarteto de Liverpool, certamente, conhecem parte dessa história que se iniciou numa tarde de 28 de outubro de 1961, data em que os garotos travaram o primeiro contato com aquele que viria a ser o empresário do grupo por quase uma década.

Por aqui, vou recordando o ano de 1958, ano em que, pela vez primeira, levantamos a 1a. Copa do Mundo. Quem se não lembra do sucesso alcançado pelo 78 rpm, que trazia, no lado A, a música “A Taça do Mundo é Nossa” (composição de quase uma seleção de parceiros: Wagner Mangen, Lauro Müller, Maugeri Sobrinho e Víctor Dagô)? Nessa época, adquiri, na antiga Movelaria Soares (térreo do Edifício 5 de Agosto), o primeiro disco (LP de 331/2 rpm) de minha vida… O nome do long play, simplesmente, Belafonte. Quanto prazer!… Na ausência de um som próprio, uma radiola (aglutinação de rádio + vitrola) que fosse, eu colocava aquela “preciosidade” debaixo do braço e saía, nas noites do sábado, em busca de algum “amigo rico” que dispusesse de algum som, quando então, à exaustão, nós colocávamos pra tocar as suas onze faixas, dentre as quais se sobressaiam Matilda (gravação de 1955 – 4a. faixa do lado A), que marcou época e, na 2a. faixa do lado B, a emocionante e clássica Scarlet Ribbons. Esse LP, como ocorria por aqueles tempos, somente foi lançado no Brasil em 1957, portanto, três anos após o seu lançamento nos States.

Com o sucesso obtido por Harry Belafonte (New York – USA, 1927), a RCA Victor nos
presenteia, no ano seguinte, com o segundo LP dele: o clássico Calypso. Era o surgimento
desse ritmo ancestral do reggae. O carro-chefe do disco, nesse seu segundo LP, foi a música Day O (Banana Boat Song), que, três décadas depois, ainda serviria de trilha sonora ao filme “Os fantasmas se divertem” (Beetle Juice – 1988). Ainda mantenho comigo esses dois discos, emblemáticos em minha vida, mas já no “avançado” processo do CD que, agora, também vai se tornando obsoleto.

A esse propósito, convém lembrar quatro fatos:

1. o calypso, apesar de originado de Trindad e Martinica, foi popularizado na Jamaica, com sua percussão “retirada” de tambores vazios de óleo, o que, certamente, serviu de modelo para a banda baiana Olodum;

2. o nosso Sivuca (Severino Dias de Oliveira – Itabaiana/1930 – João Pessoa 2006) foi arranjador e parceiro musical de Belafonte, como o foi também de Miriam Makeba, aquela de Pata Pata (Johanesburgo-África do Sul-1932 / Castel Voltutrno-Itália-2008), de Bette Midler e, mais recentemente, de Paul Simon;

3. no Pará, ainda se cultiva o calypso, agora travestido em lambada, carimbó/sirimbó e guitarradas (quem se não há de lembrar de Pinduca – Antônio Quirino Gonçalves?);

4. por fim, devo falar-lhes que o “celebrado” grupo Calypso (leia-se Joelma, no tempo de
Chimbinha) “filou” o nome do ritmo, transformando-o no hoje considerado “pop-brega”.

É disso que lhes falarei, amigos leitores.

Então, vamos tocando em frente!

Na imagem, capa do LP de Harry Belafonte, artista americano com ascendência jamaicana; long play foi lançado nos anos 50.

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