Simulação de uma visita: crônica de saudades

A confluência das ruas 13 de Maio com a Venâncio Neiva traz-me saudosas lembranças de minha infância em Cajazeiras. Tanto é que, sempre quando retorno à minha terra, nunca deixo de, ao por lá passar, parar e pensar em dias felizes do tempo em que ali vivi. E, como diz o poeta, certo dia “eu quis também rever o lar paterno, o meu primeiro e virginal abrigo”. 

Logo ao portão, deparei-me com a sombra do meu fiel cachorro de cujo nome já me não lembro mais. Claro que ele já se foi e se não pôde mais se alegrar com a minha chegada, como o fazia noutros tempos. Adentrei a sala. Foi ali, numa sombria tarde de um dia distante, que vi, pela última vez, o corpo inerte do meu pai, ele que era tão ativo, esperto e trabalhador, virtudes que dele creio haver herdado. As músicas que naquela sala eu ouvia teimam em ressoar aos meus ouvidos, trazendo-me as saudades dos sons das serestas ou dos da jovem guarda.

Volto-me à janela de onde ainda vejo os meus amigos doutros tempos. Quantos deles ainda seguem os caminhos em busca de outras realizações, e quantos já se não foram rumo a outras paragens desconhecidas?… Mas, daqui mesmo, o meu pensamento teima em acenar-lhes, aguardando-os para, juntos, recordarmos as saudáveis brincadeiras infantis: pião, baladeira, castanha, bola de gude e as indefectíveis peladas de futebol com a estragada bola de meia…

E eu corria, corria, sem perceber que era eu que me ia e não o tempo que passava.

Fazia-me bem a multifacetada vida que eu vivia, porém era, durante a noite, que eu buscava em mim mesmo, no silêncio do meu quarto, a sensação do dever cumprido. E gostava que assim fosse, pois era isso que me fazia recomeçar a lida do dia seguinte.

As minhas metas, eu as fui, aos poucos, alcançando, sem permitir que fracassos possíveis e naturais fossem me alquebrando ou consumindo as forças necessárias a novos embates. Um velho espelho, pendurado na parede, ali colocado pela minha mãe para embelezar a pobreza de sua decoração, parece refletir imagens do passado.

No meu antigo quarto, a luz estava apagada, mas, em mim, ainda lampejam as recordações de leituras feitas que se impregnaram na minha memória.

Nas paredes dos seus recantos, eu costumava colocar fotos dos meus primeiros amores, que foram tantos e, hoje, poucas lembranças deles me restam.

As flores do jardim que minha mãe cultiva com tanto zelo, regando-as todas as manhãs, já não mais existem; murcharam todas e foram se transformando em espinhos, talvez me fazendo lembrar que, na vida, nem tudo são flores e que devemos aprender a podar as agruras que nos espreitam.

Mas, agora, eu me vou, porque de tudo que o mundo me ensinou e de tudo que com ele aprendi, não aprendi a voltar ao passado. É hora de ir-me – retornando aos monótonos e corriqueiros dias de uma realidade cada vez mais controversa que o momento atual teima em não deixar passar – esperando que dias melhores hajam de vir, pois piores os dias não podem ficar.

Porém, eu me vou mesmo assim e, mesmo sabendo que partir é morrer um pouco, tenho que acreditar que viver é isso: olhar para frente sem esquecer o que se vai indo ou que já se foi…

Mas, o tempo me diz que a tarde se vai indo, a noite vai-se chegando, e eu tenho que sair, pois esta sala já não me pertence, e lá fora o meu mundo me espera. Ali, naquela casa, deixei presa parte de minha alma.

1 comentário
  1. Escreva Professor, escreva muito, muito, mesmo sobre nossa amada Cajazeiras, é bom para alma de quem viveu
    momentos tão felizes neste pequeno grande torrão. Um abraço de Roberto Gadelha.

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