Releitura de Carcará

Com o coração e a mente tomados por uma ambivalência patente, concluí, nesta semana, a releitura, (talvez seja mesmo a terceira vez que o leio) do romance Carcará, cuja nova edição virá a lume por esses dias, no ano em que se comemora o centenário de nascimento do seu autor, o cajazeirense e ex-governador da Paraíba Ivan Bichara Sobreira.

Vou me imiscuir de tecer comentários de natureza analítico-literária, optando por trazer uma revisão emotiva e cheia de saudades dos tempos idos e vividos pelos meus conterrâneos, mormente na década de 1920, quando se situam os fatos narrados num livro de leitura obrigatória para quem cultiva esse benfazejo ato, o de uma boa trama. Pessoas e ambientes nos vão sendo oferecidos, como um convite à recordação. Desfilam pessoas que nos foram familiares e que transitavam pelas ruas e vielas de nossa terra.

Assim é que ali aparecem desde a figura do meu primeiro barbeiro, o moreno Heliodoro, até o Dr. Otacílio Jurema, ambos com estabelecimento e consultório, respectivamente, localizados na Rua Tenente Sabino, atual Calçadão.

Lá pras bandas do Hospital Regional de Cajazeiras, residia o Dr. Victor Jurema, Juiz de Direito da Comarca, pai do referido médico, e cuja rua recebeu o seu nome.

Como me esquecer de figurantes que marcaram época: Seu Chiquinho Sobreira, dirigindo-se, todas as manhãs para a sua loja, na Praça Coração de Jesus, passando, antes e religiosamente, pela Igreja da Piedade (hoje N.S.de Fátima), para suas orações habituais: um Padre-Nosso, uma Ave-Maria e uma Salve-Rainha. (Não sei por que ele não rezava o “Creio em Deus Pai”… Certamente, a sua pressa para abrir a loja não lhe permitia esse exercício de fé).

Marcolino Diniz, aquele mesmo que trouxe o futebol para Cajazeiras, e que, segundo relatos do autor do romance, possuía uma loja na atual Rua Juvêncio Carneiro, fronteiriça à do próprio detentor do nome da rua.  Mas, como eu dizia, Marcolino havia mantido, como seu empregado, o facínora Sabino Gomes, de tristes lembranças pela sua vinculação com os episódios da invasão da cidade, nos idos de 1926; Midu (Diomídio Cartaxo) e Marechal (Joaquim Sobreira Cartaxo), que eu os conheci bem, desfilam pelas ruas da cidade, tendo este último “pegado em armas” na defesa do torrão natal.

Cornélio Andrade, como morava na Rua da Matança (atual Rua Dr. Coelho), foi um dos primeiros a notar a chegada dos cangaceiros; até Seu Chiquinho e Dimas Andriola são personagens na trama urdida por Ivan Bichara.

Quanto aos cenários, revemos a entrada da urbe pelos caminhos que vêm do Ceará: a Rua da Matança e a Rua da Rodagem (antiga Rua do Cabaré, hoje Av. Camilo de Holanda, emendando com a Rua Engenheiro Carlos Pires de Sá), que eram bem afastadas do centro (Rua do Comércio e Praça Coração de Jesus), sem esquecer a Rua do Gato Preto (atual Rua 13 de Maio), que era a rua das “pensões das mulheres alegres e de vida fácil” (nunca vi criaturas mais tristes e de vidas tão difíceis), fruto embrionário dos cabarés, que foram se transferido para a “rodagem”, subindo pelo oitão do cemitério.

O ápice dos encontros beligerantes foi a Rua da Tamarina (atual Rua Cel. Guimarães), próxima de onde ficava situada a capelinha de Santa Terezinha, na confluência da atual Rua Padre José Tomás com a Rua Padre Manuel Mariano (e haja ruas com nomes de padres…)

Afff! É um passeio que, longe de ser cansativo e, tirante os episódios de verdadeiro farwest, nos proporciona uma viagem rememorativa pelas ruas de Cajazeiras doutros tempos.

A ilustração retrata o centro da cidade, já nos anos 40/50, vendo-se a Farmácia Nogueira, confluência das Ruas Pe. Manuel Mariano com a Pe. José Tomás, onde ficava a capelinha de Santa Terezinha e que foi o centro dos primeiros combates para rechaçar a entrada do bando de Sabino Gomes.
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