Padre Gervásio Coêlho, o poeta

Nos fundos do belo edifício da Ação Católica, havia (há?) uma edificação residencial pertencente à Diocese onde, em tempos idos e vividos, morou o Padre Gervásio Coelho. Ali, posteriormente, também residiu o Mons. Abdon Pereira, antes de edificar sua própria moradia na Rua Barão do Rio Branco (antiga Rua dos Ricos, que depois se bifurcou, fazendo esquina da Rua Tabelião Antônio Holanda com a Geminiano de Souza).

Filho de Henrique de Souza Coelho e de Vitalina Felinta de Albuquerque Coelho, Gervásio nasceu em Cajazeiras e tem como seus ancestrais familiares aqueles ligados ao Padre Mestre Inácio de Souza Rolim e ao nosso primeiro Bispo Diocesano, Dom Moisés Coelho.

O seu pai, ex-aluno do Padre Mestre, era um homem austero e inteligente que transmitiu aos filhos o gosto pelos estudos e a sua obrigatoriedade. Assim é que Gervásio Coelho, ainda criança, iniciou sua alfabetização na Escola Pública de Professor Crispim Coelho, onde era elogiado pelos seus triunfos escolares. Daí, sempre evoluindo, passou a estudar no Colégio Diocesano Padre Rolim, restaurado, na época, por Dom Moisés Coelho, nosso primeiro Bispo Diocesano (período 1915-1932).

Desde criança, já cultivava o dom de fazer versos, tendo sido orientado, quando da feitura dos seus primeiros sonetos, pelo nosso poeta maior, Dr. Cristiano Cartaxo, na época docente na Escola Normal e farmacêutico que, apesar das diferenças etárias, estava sempre a ouvi-lo e orientá-lo ali mesmo nos bancos da Praça João Pessoa, após o expediente na Farmácia de Marechal.

Do docente, inclusive, o menino Gervásio ouviu, textualmente, por ocasião de lhe haver mostrado alguns de seus primeiros versos ainda repletos de aleijões poéticos:

“Menino, é muito difícil consertar poesias… Seus versos estão errados.”

CRISTIANO CARTAXO

Mas, aquilo, longe de desvanecê-lo, serviu-lhe  de estímulo para novas leituras e para um processo mais ferrenho de aprendizagem. A sua familiaridade com os livros, sobretudo com a obra poética “Os Lusíadas”, de Camões, ele a adquiriu com as visitas ocasionais que fazia à Biblioteca de Otílio Guimarães, sempre subordinado à fiscalização e aos cuidados paternos.

Mas era, segundo ele próprio, um aficionado apreciador dos versos de cordel, que os ouvia nas tardes dos sábados, por ocasião das feiras livres que se realizavam na Praça Coração de Jesus, cantados e declamados pelos repentistas e violeiros do momento.

Lembro-me bem da figura insigne do Padre Gervásio em sua residência, em uma de cujas dependências, ele “montou” uma biblioteca doméstica que, na minha infância, me causava certa e saudável inveja num sequioso desejo de leitura.

Dentre suas funções eclesiásticas, exerceu o cargo de Monsenhor Vigário Capitular no bispado de Dom João da Mata Andrade Amaral (2º bispo – período 1934 a 1941), tendo havido por esse tempo, conforme dizem as más línguas contemporâneas, um entrevero entre ele e o Mons. Abdon, como consequência de divergências paroquiais e de poder, ocasião em que aquele  solicitou transferência para o Rio de Janeiro. Sobre o episódio, ele produziu uma fábula, em forma de poema, extremamente ferino contra o seu desafeto.

Ainda em Cajazeiras, lecionou, nos colégios Diocesano e Nossa Senhora de Lourdes, as matérias Pedagogia, Francês e Português.

Já no Rio, em 1955, publicou o seu livro de poesias “Caramujos ao Sol”, dentre cujos poemas, um seria, como foi dito acima, uma impiedosa sátira direcionada ao seu desafeto. Ainda em nossa terra, foi vice-presidente do Congresso Eucarístico Diocesano. Segundo os que o conheceram, ele era um “sacerdote de apreciáveis qualidades do espírito e do coração, sendo portador de um caráter franco e retilíneo, cuja expressão de bondade e inteligência alargava a cada dia o seu círculo de simpatias e amizades”.

Gervásio iniciou sua vida religiosa, em 1919, no Seminário da Prainha, em Fortaleza-CE, transferindo-se depois para o Seminário Arquidiocesano da Paraíba, por determinação do primeiro Arcebispo da Paraíba, Dom Adauto de Miranda Henriques. Quando chegou ao Seminário Arquidiocesano da Paraíba, já com “fama” de poeta e orador, iniciou seus passos como colaborador do jornal da Arquidiocese “A Imprensa”, onde publicou os seus primeiros versos, devidamente censurados pela Cúria, para evitar a “mistura” do profano com o religioso.

Em sua obra poética, ele afirma que “a luz que o conduziu foi uma visão panorâmica do mundo racional”. É de sua autoria a letra do hino oficial do Primeiro Congresso Eucarístico Diocesano de Cajazeiras.

O Padre Gervásio deixou-nos a obra literária “Caramujos ao Sol”, contendo poesias, publicadas pela Editora Irmãos PONGETTI – Editores – Rio de Janeiro, 1955. O livro está dividido em três partes: Parte I – Sonetos – constante de 76 sonetos; Parte II – Poemas – constante de 11 poemas; Parte III – Novos Sonetos – constante de mais 72 sonetos, totalizando, portanto, 159 poesias: 148 sonetos e 11 poemas, onde predominam os versos decassílabos sáficos e/ou heroicos, à moda de Camões, e os alexandrinos, utilizando-se de rimas cruzadas, emparelhadas e/ou opostas. Deixamos de lado as características literárias e metodológicas dos poemas e sonetos, a fim de que possamos apreciar o seu conteúdo semântico, uma vez que muitos deles nos levam à lembrança de vultos e personagens vinculados a Cajazeiras dos anos 40/50.

Assim é que, de maneira sumária, sem maiores pretensões analíticas e literárias, pinçamos alguns textos sobre os quais passamos a tecer nossas apreciações: em “Meu Excelso Espelho”, dedicado à memória do seu genitor, ele diz: Homem de gosto e de moral perfeita, / De forte têmpera e caráter nobre, / Teve prestígio, mesmo sendo pobre. / Jamais sofreu, na vida, uma desfeita.

para sua mãe, (À memória imperecível de minha querida mãe), ele escreveu “No Dia das Mães”: Hoje, das Mães o Dia, eu, órfão, desperto…/ Saudoso e errante, como um triste pária, / Chorando não ter mãe, neste deserto!.

O soneto “Itinerário”, ele o dedica textualmente “aos queridos alunos e alunas de meu longo tirocínio no Magistério”, e aconselha, após cada estrofe: Cresce! – Estuda! – Crê – Esquece!,

“Alegria de Viver” é dedicado “Ao caríssimo Pe. Vicente Freitas, a maior figura de pároco do sertão”: A vida, Deus nos deu, pra ser vivida, / No júbilo, na paz, no movimento, / Na luta, que conquista novo tento, / E, como termo, a glória da subida!.

O soneto “A Calvície” é dedicado “Ao prezadíssimo primo Antônio Rolim”: Cabe à calvície o encerro da colheita: / Das frontes jovens o esplendor apaga , / E da velhice as frontes desenfeita!”.

E dois sonetos chamaram a minha atenção – “Sugestão” e “Amor de Mãe” por terem sido dedicados, respectivamente, às suas afilhadas M. Salete Bandeira Braga e Francisca de Assis Carvalho; o soneto “Madrinha Vitória” é uma “Homenagem à professora Vitória Bezerra: Num surto desse afeto, ideal sublime, / Dona Vitória, aos mil guris propina, Por meio século, a linfa cristalina / Do saber. E das trevas o redime / […] Dão-lhe estigmas de Nova-Mãe-Aninha, / Dos alunos o acorde não abranda: / Se não chamam de Mãe, chamam Madrinha.

Ao nosso poeta maior, Dr. Cristiano Cartaxo, ele dedicou o soneto “Cajazeiras”, que o transcrevemos na íntegra: Longe de teu regaço, Cajazeiras, / Túmulo de meus pais, berço querido, / Em íntima surdina, ouço um vagido / De grã saudade, aquém de tuas fronteiras. // As almas fracas, tíbias ou rasteiras / Têm ao interesse seu amor vendido. / Em prol de teu futuro bem nutrido, / Fiel vassalo, te dei minhas canseiras. // Não é ingrato quem de ti se aparta, / Tua efígie, em lindo altar, levando n’alma, / Messe, em teu mundo real, deixando farta. / Letras e Fé te marcam sorte rara: / Ninguém te rouba do porvir a palma, / Joia de Tupã, Princesa Tabajara!.

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