Os manés protetores de Cajazeiras

ANTONIO GUIMARÃES MOREIRA

Descendente do lado paterno de piancoenses, vendo constantemente os meus tios armados de rifle papo amarelo e cruzeta, enfrentando o cangaço duro naquelas bandas e no Cariri (Ceará), defendendo-se para não morrer, não podia discernir o pacifismo de Cajazeiras. Quantas vezes vi o meu pai, numa solidariedade tocante e fraternal, também apetrechado e armado, para defender o clã ameaçado pela prepotência de chefetes. Era a lei do sertão sem governo e do mais forte.

Mas não era a lei de Cajazeiras. Mas Deus meu, Cajazeiras era diferente, era uma exceção e somente quando algum valentão forasteiro aqui chegava, o ambiente modificava-se, numa fase passageira. A cidade reagia, não pelas armas, mas culturalmente, pelos costumes, pelo exemplo, pelo espiritualismo, pela educação e o valentão terminava repelido como um corpo estranho. Os estranhos em regra aclimatavam-se, passavam pelo processo de aculturação nesse ambiente de paz e serenidade. Assim era Cajazeiras daqueles tempos, a Cajazeiras chamada dos Rolins.

De menino aprendi a ver o Coronel Sabino Rolim, sem poder distinguir a diferença entre chefe político e prefeito, a figura da mansidão, aquele que vence através da persuasão e da bondade. Era uma espécie de chefe político vitalício, inamovível e dirigente eterno das coisas públicas. Certa vez a cidade foi infestada por urubus e a Prefeitura tomou a providência de eliminá-los ou melhor afastá-los a tiros de espingarda. Foi designado para execução da medida o funcionário Francisco de Assis Coelho, rapagote muito vivaz e ativo. Um proprietário  opôs-se com certa relutância e até agressividade. Feita a queixa ao Coronel Sabino, ele retrucou: “você é bobo, vá matar urubu noutra casa”. A sua atitude terminou por demover o proprietário de tal resolução.

Outro campeão da paz do meu tempo de menino em Cajazeiras, foi o Dr. Victor Jurema, então Juiz de Direito. Quase não se falava em advogado e o Juiz era de Direito, mas sobretudo de paz, harmonizando e conciliando interesses e desavenças. Quem o via pela primeira vez, tinha a impressão de um magistrado intratável. “Vá para os infernos, menino.” Em segundos, o homem transformava-se. Atendia cavalheiramente, resolvia os casos se fosse possível, do contrário mandava para o contencioso. Era então o juiz reto, indobrável, mas profundamente humano, a zelar pela paz e pela justiça.

Hoje penso que eram os espíritos benéficos dos manés, dos antepassados, todos protegendo a cidade que nasceu do sentimentalismo de uma cajazeirense e o estoicismo de várias famílias caldeadas na dureza do colonialismo primitivo, mistura da bravura do português, do indígena e da força do escravo.

ANTONIO GUIMARÃES MOREIRA É CAJAZEIRENSE E REGISTROU SUAS MEMÓRIAS EM CRÔNICAS DO COTIDIANO. ESTES APONTAMENTOS FAZEM PARTE DO ACERVO DO HISTORIADOR CAJAZEIRENSE DEUSDEDIT LEITÃO.

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