Um discurso histórico

Em 1968 a juventude estudantil cada vez mais se afirmava como porta voz da insatisfação popular ante o governo autoritário que os militares estavam impondo à sociedade brasileira. Organizavam e comandavam todas as manifestações públicas de protesto à ditadura, recebendo sempre a adesão de artistas, intelectuais, religiosos e do povo em geral. Isso provocava um clima de tensão social, com o governo dando demonstrações de inquietação com a crescente mobilização liderada pelos estudantes.

Havia uma expectativa muito grande em relação às comemorações do dia da independência, quando os militares procuravam acender o sentimento cívico nacional, estimulando participação patriótica dos colégios nos desfiles de sete de setembro. Por outro lado, as lideranças estudantis enxergavam nesse evento um especial instante de expressar o repúdio coletivo ao regime, tirando o brilho das marchas comemorativas da data e provocando os ditadores. Por isso, em várias capitais do país surgiam movimentos de convencimento dos estudantes a não participação nos desfiles.

Na Paraíba, vários comícios relâmpagos foram realizados com esse objetivo, com maior ênfase no Liceu e no Estadual do Roger, através dos dirigentes dos Grêmios Daura Santiago Rangel e Castro Alves, respectivamente.

Essa intenção ganhou força a partir do discurso histórico proferido pelo Deputado Márcio Moreira Alves, na Câmara Federal, no dia dois de setembro, sugerindo o boicote às comemorações do sete de setembro. Não imaginava o deputado que, com aquele pronunciamento, ele mudaria a história política brasileira. Instalava-se a partir dele a crise que culminaria com a edição do AI 5.

Para melhor compreensão do teor explosivo do discurso, considerado pelos ministros militares como “ofensivo aos brios e à dignidade das forças armadas”, transcrevo na íntegra a seguir:

“Senhor Presidente, Senhores Deputados Todos reconhecem ou dizem reconhecer, que a maioria das forças armadas não compactua com a cúpula militarista que perpetra violências e mantém este país sob regime de opressão. Creio ter chegado, após os acontecimentos de Brasília, o grande momento da união pela democracia. Este é também o momento do boicote. As mães brasileiras já se manifestaram. Todas as classes sociais clamam por este repúdio à polícia. No entanto isso não basta. As cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo do povo e pedirão aos colégios que desfilem juntos com os algozes dos estudantes. Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile. Esse boicote pode passar também às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa aqueles que vilipendiam-nas. Recusassem aceitar aqueles que silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adianta. Necessário se torna agir contra os que abusam das forças armadas, falando e agindo em seu nome. Creia-me, senhor presidente, que é possível resolver essa farsa, esta democratura, pelo boicote. Enquanto não se pronunciarem os silenciosos, todo e qualquer contato entre civis e militares deve cessar, porque só assim conseguiremos fazer com que este país volte à democracia. Só assim conseguiremos fazer com que os silenciosos que não compactuam com os desmandos de seus chefes, sigam o magnífico exemplo dos 14 oficiais de Crateús que tiveram a coragem e há hombridade de, publicamente, se manifestarem contra um ato ilegal e arbitrário de seus superiores”.

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