Os bichos que se entendem e os que brigam

Estava no jardim de casa e displicentemente olhei para o jardim da casa do vizinho em frente. Vejo um gato sentado no muro de uns dois metros de altura com a calda estirada para dentro da residência e o corpo para o do vizinho contíguo. Pelo seu jeito estava com o olhar no mundo da lua, “pensando” sobre os sabores da vida de gato, da influência felina na existência humana. A menos de dois metros estava um cachorro esparramado no chão, absorto na importância humana em vossa vida de cão. Ambos não estavam nem aí para conflitos do reino animal. Pareciam até que eram irmãos de longa convivência. Ou, senão, estavam inertes por já terem comido suas rações apetitosas compradas em lojas especializadas e não estavam com fome. Baratas, ossos… isso é comida de vira-latas de rua, na expressão de seus rostos contemplativos.

Me demorei a espiá-los e a refletir por que eles não se digladiavam, não se vociferavam, não partiam para o ataque de cão e gato. Em tranquilidade absoluta o gato abanou o rabo como se fosse para-brisa limpando a parede e o cachorro não reagia em absolutamente nada a essa provável provocação. O dog parecia estar em estado alfa, praticando ioga.

Minha expectativa, meu instinto animal frustrado, era ver uma pendenga entre eles e de imediato sacar meu celular e filmar a briga para depois postar nas redes sociais e ver os kkks das reações dos internautas amigos.

Como, aqueles bichos, pelo menos aqueles, eram de paz e amor tão assim de forma natural? Recolhi minha frustrada e insignificante racionalidade e voltei para a realidade de meu mundinho.

Fui despertado pela sonoridade do WhatsApp. Mensagens. Fui ver. Era uma pessoa escarnecendo outra com a seguinte observação: “olha só que idiotice recebo daquela besta! ”. Era a manifestação de político xis em vídeo, pelo qual o fulano nutre admiração, e o outro, repulsa.

Dei mais uma rápida navegada nas mensagens e percebi que o ringue de boxe estava instalado ali. Corri para a porta de casa para ver se o gato e o cachorro finalmente resolveram se desentenderem. Nada. Continuavam acomodados passivamente.

Deduzi que houve uma troca de valores nos perfis dos bichanos e meus contatos no zap se infernizando. Beibinha, minha esposa, me mostrou também a troca de farpas de grupos em seu zap. Fui à geladeira, abri uma cerveja, enchi o copo, inspirei, expirei, dei uma golada, senti a emanação da racionalidade. A cerveja acalmou meus ânimos e avisou-me que é assim que a humanidade caminha. Do contrário, vou acabar ficando sem nenhum fio de cabelo em minha cabeça.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
CLIQUE E LEIA

Celebração

Nas cordoalhas do meu coração guardei a mais bela canção para os meus 73 anos. As cordas de…
CLIQUE E LEIA

A imortalidade

A questão da imortalidade sempre foi um tema de especulações filosóficas. Ainda que experimentos científicos tenham tentado fazer…
CLIQUE E LEIA

A caminho da Papuda

Vamos refrescar a memória. Em 2005, o deputado Severino Cavalcanti (PP/PE) derrotou Luiz Eduardo Greenhalgh (PT/SP), candidato de…
Total
0
Share