O discurso da “cadeira vazia”

José Américo de Almeida foi um político comprometido com a verdade, mesmo quando esta não se ajustava às suas convicções ideológicas, porque, assim como pensava São Tomas de Aquino, ele entendia que o seu conceito se fundamenta na adequação do intelecto com a realidade. Em seus memoráveis pronunciamentos nunca se deixava ser influenciado por mentiras, pós-verdades e afirmações enganosas. Procurava sempre ser fiel aos princípios da lógica, no exercício ordenado da racionalidade.

Essa postura adotada em toda a sua vida pública, fez com que ganhasse destaque no cenário político nacional. Era um orador consagrado. Polemista, nunca se negava a manifestar suas opiniões nos instantes em que se fazia necessária uma palavra de ânimo no fortalecimento das causas em que se via envolvido ou proclamar sua discordância quando percebia acontecimentos que marcavam violação das liberdades democráticas.

Na década de quarenta do século passado, num período conturbado da história política nacional, pós-ditadura Vargas, na condição de senador da república, pronunciou naquela casa legislativa um dos seus mais célebres discursos, conhecido como A CADEIRA VAZIA. O fato motivador dessa oratória foi o cancelamento do registro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), ocasionando a cassação de parlamentares filiados àquela agremiação partidária, dentre eles Luís Carlos Prestes, seu companheiro no Senado, eleito com a maior votação já registrada até então na história política nacional, o escritor Jorge Amado e o paraibano João Santa Cruz.

Embora sendo um anticomunista convicto, não concordou com essa decisão autoritária e antidemocrática, afirmando que “Não poderia a Constituição prever essa monstruosidade, em nome da democracia que organiza e tutela, pondo-a a salvo do arbítrio e das sofistarias facciosas”. Revelava o seu espírito de democrata acima de qualquer divergência ideológica. E completava: “Eu que prestei, ao entrar nesta Casa, o compromisso de guardá-la, nunca seria capaz de semelhante violação”.

Ali estava um agente político firmemente determinado a defender o Estado Democrático de Direito e as instituições republicanas, mostrando-se, sem receio, um combatente que resistiria às pressões exercidas em momentos de crises sociais e políticas. É o compromisso – e não a preferência – que impulsiona a consolidação da democracia, ao menos do ponto de vista atitudinal. José Américo tinha essa compreensão.

No seu discurso proclamou: “Se foi legítimo o sufrágio, legitimou os mandatos. Ninguém tem o direito de revogar uma decisão do povo”. Ainda que em posições adversárias no campo político-ideológico, não admitia que aquela cadeira no plenário do Senado ficasse vazia, sem a presença de um senador eleito pela expressiva vontade popular. E complementava: “Sob o pretexto de salvar a democracia, não se venha a sacrificá-la com medidas que iriam adquirindo, dia a dia, um caráter mais reacionário”.

“O Brasil parece achar-se, de novo, como em 1937, artificialmente, em estado de alarme, tomado de um terror imaginário”, denunciava o nosso ilustre conterrâneo. E conclamava: “Ninguém se iluda com o poder de resistência das ideias. Se são sufocadas, sobrevem a resistência silenciosa e subterrânea, que não podendo agir, afia as armas”. Vivemos num mundo assustadiço que espreita os horizontes, preferindo as trevas”.

E finalizava referindo-se ao colega de Senado, Luís Carlos Prestes, enaltecendo sua trajetória política: “Ninguém já se lembra do caminho que ele percorreu, tão curto e misterioso para chegar a esta Casa. Veio ali da prisão incomunicável que parecia afastá-lo do mundo. E foi justamente quando jazia em seu cubículo, tolhido e imóvel, que ganhou espaço e avançou até estas culminâncias. A mesma chave que o fechou na prisão abriu-lhe as portas do Senado”.

“A Cadeira Vazia” foi um discurso histórico que estabeleceu o reconhecimento de José Américo como um valoroso paladino das liberdades públicas de nosso país.

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