O cururu e a chinela

DAMIÃO DE OLIVEIRA

De primeiro, tudo era muito diferente, as pessoas se cumprimentavam e se respeitavam.

– Num era essa selvageria d’agora, não – diria Joaquim de “Seu” Expedito. E foi com ele que sucedeu o causo da chinela que o cururu quase engoliu.

Terminada a lida da roça, já o sol se pondo, Joaquim foi até a cabaça, debaixo de uma moita.

– Diacho, tá seca!

Largou a enxada e desceu a ribanceira que dava pro rio. Lá chegando, abanou os “bascui” e encheu sua vasilha.

Como estava muito enfadado, resolveu dar um mergulho. Não avistando um pé de pessoa, ficou nu e tibungou n’água.

Um cururu espiava o deleite do homem na frescura da água corrente, e, de três pulos, chegou à roupa do “caba”. Como o chapéu estivesse derreado numa pedra, o visitante foi pra sua sombra. Como já era de tardezinha e o sol estava baixo, o bicho deu um salto tão medonho que atirou o chapéu pra riba.

Alheio a tudo, Joaquim de “Seu” Expedito mergulhava feito um caçote, se deixando levar pela correnteza, tal as piabas. Ele estava mesmo carecido de um descanso, pois havia limpado muitas braças de mato.

O olhudo avistou as chinelas do rapaz. Uma estava direita e a outra, emborcada.

– “Virge” Maria, ‘jeite essa chinela, menino! Isso dá atraso! – ralharia “Dona” Zefa, se visse o desleixo do filho, que deixou até a roupa avessada.

Era uma chinela currulepe, já toda comida. O cururu se veio e abocanhou a que estava emborcada e ficou com da alpercata preso na boca. Deu uns três pulos pra dentro das juremas. Desistiu do roubo e largou o calçado, indo simbora.

Joaquim saiu saiu da água. Desavessou sua roupa.

– Cadê meu “ôto” chinelo? Ôche, “mais” num tinha ninguém aqui! Será que foi o “Coisa-Ruim”?

Foi pra casa descalço.

Já era hora da ceia.

De noite, novena, rezaria um terço pro acontecido.

DAMIÃO DE OLIVEIRA É POETA, AUTOR DO LIVRO “RÉQUIEM PARA UMA FLOR”, SOB O PSEUDÔNIMO DE LENILSON OLIVEIRA E LICENCIADO EM LETRAS PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA / CFP

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