O Brasil não é a Argentina

A extrema-direita global comemorou a vitória do argentino Javier Milei. E tem motivos para festejar, porque foi registrada uma maioria consagradora. Não se pode ignorar que foi um dos maiores acontecimentos políticos da história daquela Nação, rompendo um ciclo histórico de peronistas e macristas no poder. Surpreendeu o establishment e os partidos tradicionais. Na democracia não se questiona resultado das urnas, embora esse pessoal recuse aceitar quando não consegue sair vitorioso. O argumento da fraude eleitoral é sempre colocado como desculpa pela derrota.

O presidente eleito da Argentina vai assumir sem o apoio sequer de um dos governadores daquele país. Também não contará com uma base parlamentar majoritária no Congresso. Menos de vinte por cento dos eleitos votaram nele, diferentemente do que aconteceu com seus colegas Trump e Bolsonaro. Porém se nivela aos dois na falta de experiência administrativa. Portanto, ao tempo em que é perfeitamente justificada a euforia da vitória, é gigante o desafio que irá enfrentar. E ao que se percebe, falta ao futuro mandatário argentino competência e equilíbrio emocional para superar as enormes dificuldades que encontrará pela frente. Herdará uma economia com inflação fora do controle. Revelou-se um excelente comunicador, mas sua biografia demonstra ter sido um despreparado economista. E não se pode considerar que o peronismo acabou. Continua sendo um agrupamento político com bastante habilidade para obstacular o sucesso de rivais.

Não restam dúvidas de que a extrema direita se fortaleceu nas Américas, onde Milei se alinha a Trump e Bolsonaro, como nomes de destaque nesse caldo ideológico. No entanto, quando ele se define como um anarcocapitalista, se diferencia dos ex-presidentes dos EUA e do Brasil, que nunca ousaram adotar essa classificação. As semelhanças, todavia, aparecem quando se apresentam como questionadores da ordem política vigente em seus respectivos países. Todos são líderes populistas do movimento global da “anti-política”, contrariando, inclusive, a direita tradicional. Os três assumem um estilo belicoso, produzindo surpreendentes, estapafúrdias e agressivas declarações, muitas delas sem qualquer sentido racional. Exploram um sentimento “anticomunista”. Milei chegou a afirmar que o Papa Francisco, seu compatriota, “tem afinidade com os comunistas assassinos”.

O bom mesmo é ter a convicção de que o Brasil contemporâneo não é a Argentina. Aqui salvamos a democracia. Lá eles decidiram embarcar num processo diferente, em que o eleito defende a ditadura já vivida em tempos pretéritos. Aqui derrotamos a direita alucinada e evitamos a continuação de um governo que estimulava atos antidemocráticos. No Brasil não prevaleceu o voto raivoso no ano passado, reafirmando e fortalecendo nas urnas a soberania, a democracia e a prioridade das políticas sociais. Superamos o ambiente de temor e de descontentamento dos quatro anos recentes. Estancamos as propostas de ferocidade ultraliberal. Em outras palavras, aqui renasceu a esperança, lá surgiram o medo e as incertezas. Deram um.passo em direção ao imprevisível.

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