A lenda do juazeiro de seu Lima

A meio caminho entre a casa onde nasci e o sítio Prensa havia um juazeiro mal-assombrado. Ficava num baixio perto de um córrego com seu fio d’água em época de chuva. Muita gente jurava ter topado com vultos brancos que apareciam, sem mais nem menos, em noite enluarada. Ouvi muitas histórias, até de cavalo e burro que cismavam e não mais seguiam a viagem.

Não tinha força no mundo, doutor Cartaxim, capaz de fazer o burro andar pra frente, metia os cacos no chão, rinchava, mas não passava em baixo do pé de juá. Eita aperreio da peste, né. Alma? Alma mesmo eu nunca vi não senhor, agora, uma marmota branca que nem um lençol bem lavado… ah, isso já me deu arrepio! Diz o povo que bicho vê alma penada, eu mesmo nunca topei com uma, né.

Respirou fundo e se benzeu.

Havia histórias mais enfeitadas a depender do narrador. Meu pai simulava acreditar, de tanto ouvir causos de assombração. Um dos poucos comentários que escutei dele foi assim: engraçado, alma sempre aparece em noite de lua… A calma e o incrédulo jeito dele não tangiam o medo. O meu medo. Fantasiava as cenas descritas na varanda da nossa antiga morada na Rua Barão do Rio Branco, um sítio de terra úmida, cheio de árvores, flores, rosas, frutas e meizinhas para curar tudo quanto é doença besta.

Nessa rua existia um solitário juazeiro.

Ficava em frente à casa de dona Folhinha, a mãe de meu colega de ginásio, Zé Lira, hoje casado com a prima Dolores, do Cartório Antônio Holanda. Nascido e crescido no meio da rua, o pé de juá esbanjava o verde na folhagem, dava frutos que meninos, porcos, bodes, carneiros comíamos com gosto. Vez por outra, uma vaca estirava o pescoço para alcançar as folhas, ali, em plena rua sem pavimento de pedra ou asfalto, onde cavalos, burras, jumentos eram amarrados no juazeiro, no dia da feira na bucólica Cajazeiras d’eu menino.

Bateu uma saudade enorme.

Aí, perguntei a Brankinha: você incluiu o juazeiro entre as dez mil mudas de árvores plantadas em Cajazeiras? Não, Frassales. O doce não da jovem secretária do Meio Ambiente, por mais delicado que tenha sido, me deixou triste. Ao ouvir explicações, no entanto, meu olho brilhou em jeito de esperança. Ora, Cajazeiras vai além da tradição das cajazeiras da antiga fazenda de Vital de Sousa Rolim, o pai do padre Inácio. A cidade é hoje forte símbolo de um semiárido que dá certo, como o juazeiro da sombra, dos frutos e do verde. E de flores que não matam abelhas como faz o importado nim.            

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