Notícias espatifadas

Sou assinante de jornal impresso diário. Por volta de 5:30 e 6:00h o entregador motoqueiro arremessa o periódico na garagem de casa causando barulho com o impacto no chão.
Começo sua leitura no café antes de ir para o trabalho. Hoje, não sei por que, a pancada foi maior que os outros dias.

Pensei que tivesse algum caderno especial – se fosse cultural, melhor ainda – ou senão um suplemento volumoso de publicidade com o balancete de uma grande empresa privada ou estatal. 

Qual nada. Foi o peso das notícias conturbadas desse mundo alvoroçado. Não sei como não afundou o piso. Se tivesse pego em nossos automóveis tê-los-ia amassados. 

Quando abri a primeira página, editoria de política nacional, vi que a colisão do periódico fez as torres do Congresso Nacional se chocarem e as bacias representando Câmara e Senado estavam emborcadas na rampa palaciana. Parecia o cenário de Brumadinho com Projetos de Lei amontoados, Medidas Provisórias lamacentas, o lodaçal escorrendo pelas veias abertas da política nacional…

Uma foto de Bolsonaro num churrasco caseiro, só de bermuda, estava com seu celular jogado em cima da tampa de esgoto, quebrado – a batida do noticioso foi forte mesmo – e ele gritando aos convivas, segundo a legenda: “Como é que eu governo o Brasil agora? ”.
Na seção de economia a Bolsa de Valores tinha despencada no chão devido a um puxão de um trombadão aplicador e golpista. O dólar foi lá em cima e caiu ao mesmo tempo, se desmoronando com fortes escoriações cambiais. Foi atendido no rico Albert Einstein. 

O esclarecedor editorial sobre conjuntura nacional ficou irreconhecível. As letras se mesclaram e as palavras se verteram em esperanto.

Na seção de política internacional o encontro de Trump e Kim Jong-um (EUA x Coréia do Norte) ficou hilário. Ambos abraçados se beijavam na boca com chupão de língua, selando guerra mundial. 

No caderno cultural uma análise crítica sobre o romance Crime e Castigo, de Dostoiévski, embaralhou com a Metamorfose de Kafka e gerou Guerra e Paz (Tolstói) para crianças aspirantes ao Nobel de Literatura. Reli a matéria e só aí comecei a entender a poesia de Zé Limeira, poeta do absurdo.

Dirigi-me a garagem para pegar o carro e ir trabalhar e prestei atenção que havia um buraco, e fundo, próximo onde o jornal fora lançado. Olhei atencioso e vi que lá embaixo, lá embaixão, estava o Japão (percebi a rima pobre). Uma voz ecoava. Encostei o ouvido e percebi que era a voz do poeta curitibano Paulo Leminski que gritava: “rio do mistério/o que seria de mim/se me levassem a sério” (Distraídos Venceremos).

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