Nossa máxima culpa

Escrever é partir-se em dias, tardes e noites. É comer o mesmo doce várias vezes, sem enjoar. É respirar filamentos de espera. Mas, de outro lado, escrever é também resolver. Rapidinho, se você quiser, as frases são resolvidas, junto com pensamentos que vão tomando formas. Um balão, que vai subindo, subindo, subindo e se desmancha nas nuvens. Maravilha. Ou pode ser uma caverna escura com uma porção de morcegos no seu pescoço. Você escolhe. Pois é o leitor que escolhe o resultado. 

A imaginação do autor tem o poder de encaminhar o desejo do leitor. Mais ou menos. Mais ou menos porque ninguém sabe ao certo. Ninguém sabe explicar essa magia, essa loucura ou demência, razão ou desequilíbrio, fuga ou caça. Ninguém da Terra. Muitos tentam, como estou tentando agora.

E você que me lê desde o início do ano? Obrigada. Sinto-me honrada, feliz e segura para dizer que você está se lendo. Claro que são estórias que saem da minha cabeça, são personagens que nomeio, são palavras que arranjo, são necessidades minhas. Mas tudo, acredite, tudo orientado por você. O resultado é seu, a emoção positiva ou negativa é sua. 

Sabe aquela crônica da qual você gostou muito, identificou-se ou se emocionou com ela? Esse processo foi por sua conta. Eu apenas tratei de organizar ou desorganizar umas idéias, uns diálogos, uns significados. E sabe aquela outra que você detestou, achou ridícula, pretensiosa, insossa ou ilógica? Esse processo foi por sua conta. Não chame a minha desculpa de amarela. Eu apenas programei ou desprogramei a rota dos sentidos. Fiz, sem querer, fulano falar, determinado problema aparecer ou tal ação se concretizar.

Escrever é isso: eu e você. O melhor é que ninguém sabe quando vai acontecer, pois escrever é mistério voando, de dentro para fora, de fora para dentro. O zíper se quebra. Escrever é pentear a tangerina e descascar os cabelos. Eu apenas ofereço algumas possibilidades, que estão por aqui mesmo, dentro das minhas mãos.

E toda essa farra da criação, no Gazeta. Nós evaporamos juntos e chovemos com as palavras. Somos os engenheiros dos castelos-de-areia, mas somos a ventania também. Aqui é nossa mesa de bar, nossa praia, nosso navio ou nosso buraco-negro, nosso deserto, nosso terremoto. Você escolhe. O importante é que o aqui existe, numa risonha etapa da existência.

Obrigada pelas críticas, pelas sugestões, pelos comentários, pelas observações, pelos elogios. Tudo, muitas vezes, tecido a meu pai, a minha mãe e a meu irmão. É bom saber, também, que um determinado número de pessoas lê o que eu escrevo e faz parte desse processo alado da escrita.

Todas as setecentas mil palavras que foram publicadas nesta coluna, ao longo de 99, estão emocionadas porque agora fazem parte da história. E cada palavra é acompanhada de um olhar, mesmo que seja de um só leitor. Assim: eu tenho um só leitor, que se pluraliza em olhares diversos. Se for um bálsamo, que o suportemos, então. Se for culpa, que a tomemos, então, como prova máxima do nosso descuido, do nosso intercâmbio silencioso.

Minha felicidade se agiganta ao saber que eu não faria uma crônica contando quais as opiniões que chegaram a mim. Simplesmente porque foram muitas, que não caberiam neste exemplar, pelo menos através da minha longa forma de contar as coisas.

Infelizmente, algumas sensações não podem ser descritas. Eu gostaria, muitíssimo, de poder codificar, com essas letrinhas impressas e combinadas, um sorriso meu que se abre para expressar o quanto vale a pena estar vivendo tudo isso. O que se traduz num presentão de Natal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
CLIQUE E LEIA

Ricardo ovacionado

Domingo 15, ficará marcado na história do futebol cajazeirense como o dia em que a nossa cidade recebeu…
Total
0
Share