Marielle e João Pedro Teixeira

O Brasil acompanhou, surpreso, a operação da Polícia Federal que prendeu três supostos mandantes da morte de Marielle Franco, seis anos após seu assassinato. “Crime político”, disse o ministro Lewandowski, confirmando o que já era notório. Do fundo da memória me veio a lembrança de João Pedro Teixeira (cabra marcado para morrer), trabalhador rural trucidado em 1962 na Paraíba. Naquela época, a população rural excedia a urbana e se vivia a pré-revolução brasileira, na visão analítica de Celso Furtado. Predominava o arcaísmo da exploração no campo e da legislação reguladora dos conflitos sociais entre latifundiários e camponeses. Apesar da lonjura no tempo, das formas de matar por encomenda, os dois crimes possuem convergências. E entre um e outro, muitos assassinatos foram praticados por motivos semelhantes.

A afinidade maior é o domínio, a posse e o uso da terra, como símbolo da luta política dos oprimidos. No tempo de João Pedro (tanto quanto hoje) buscava-se a sobrevivência da legião de excluídos rurais. Já Marielle lutava por espaços urbanos decentes nas periferias urbanas, legalização de nacos de terrenos para acomodar as massas expulsas do campo ou atraídas pela ilusão da cidade grande, em momentos históricos diferentes. Os dois crimes brutais guardam também semelhança na motivação política: afastar com a morte o obstáculo à ganância ilimitada. E inibir novas lideranças.

Os dois crimes têm dissonâncias.

Lá atrás, usavam meios primários para matar. O conluio latifúndio/polícia/pistolagem se materializou na Paraíba de João Pedro Teixeira, a partir do mandante, Agnaldo Veloso Borges (suplente de deputado estadual, membro de família de grandes proprietários de terras), cujo capataz fornece armas e meios a um cabo e a um soldado da Polícia Militar paraibana para executar a tarefa, em emboscada montada perto da casa da vítima. Para tanto, foram usados toscos disfarces – policiais vestidos de vaqueiro! As balas, porém, saíram de um fuzil, arma privativa das Forças Armadas e de segurança pública.

Com Marielle a tocaia foi sofisticada.

A trama envolveu planejamento minucioso, orientado pelo delegado de polícia Rivaldo Barbosa, que recomendou ao matador, um ex-PM: não execute a tarefa próximo à Câmara Municipal nem no trajeto dela entre a casa e o trabalho, para não parecer crime político. Nada mais emblemático! Assim cumpriram a ordem dos mandantes, os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, um, do Tribunal de Contas do Rio, o outro, deputado federal.

O primarismo do passado deu lugar aos métodos do crime organizado, facções criminosas sofisticadas na atuação e na amplitude de seus tentáculos, a morte uma banalidade rotineira.

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