Cri-cri, bú, tchum

Valdir achava que ia conseguir ser feliz naquela tarde de pescaria. Tarde que já estava se transformando em noite. Ele conversava com o vento. O suor já havia se transformado em grude: aquela coisa pegajosa, marrom e fedorenta.

Era janeiro. Quando Valdir decidiu ir ao pesque-pague mais próximo, já estava no último grau de uma garrafa que carrega um pirata no rótulo.

Sentou num banquinho, mesmo sem violão, e começou a contar os minutos para pegar um peixe qualquer. Podia ser uma piabinha de nada, que ia ser bom, desenvolveria nele, rapidamente, um senso de utilidade.

“Valdir, meu filho, faz não sei quanto tempo que você está aí, e não conseguiu nada?”, mangavam, mangavam, mas ele não se irritava.

Muriçocas estavam por ali, espreitando uma vítima. Grilos iniciavam a canção cri-cri, típica de locais escuros. Vaga-lumes ensaiavam a orquestra do pisca. Sapos, rãs, jias e outros anfíbios feiosos cutucavam um lamaçal próximo, e se preparavam para fazer bú, diversas vezes. Cobras não podiam fazer nada, mas agiam como cobras: prontas para dar o bote. Passarinhos se escondiam nas árvores, mas ainda anunciavam a última cantiga do dia. Teiús, tejos, lagartos e lagartixas balançavam suas cabeças, dizendo qualquer “sim”, de improviso. Corujas piavam assustadoramente para crianças que ousassem ouvi-las.

Valdir espiava o casamento noturno de todos os bichos, dentro de um delírio só dele, acreditando na vitória da pescaria.

De repente, o anzol capturou alguma coisa. E a coisa era pesada, grande, com várias terminações, e se debatia, sem freios. Valdir, vitimado pelo rum, não conseguia segurar a vara. Tchum: caiu no tanque. Os bichos, numa espécie de mutirão, salvaram Valdir da morte-morrida por água.

Mas morte mesmo acontecia com a pescada: estava ali, na margem, mais morta do que nunca, já adormecida fatalmente pelo anzol. Os curiosos não sabiam ainda se era macho ou fêmea. E como teria parado num pesque-pague tão pacato, um bicho daquela qualidade?

Valdir acordara com a água saindo pelos narizes. Curou-se imediatamente, quando viu o que havia pescado. Um polvo. Um polvo lilás. Um polvo lilás, com manchinhas pretas e amarelas. Um polvo lilás, com manchinhas pretas e amarelas, que decidiu aparecer nesta coluna. As onomatopéias também queriam porque queriam sair no título. Não sei mais o que fazer com essas entidades da escrita.

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