À Saint-Exupèry

Várzea da Ema. Sempre foi poético o nome desse lugar: margeia um compromisso com a coisa falada, bebe de imaginações em fervura. O nome. Pois há que se esforçar um pouquinho para saber da Ema; se ela comprou a porção da terra; se ela era casada ou faminta; se ela era depenada ou memorialista.

É preciso ter certeza também sobre gênero, grau e semblante da várzea. Pois essa palavra assim, paroxitonamente reclusa, faz de quem a pronuncia um juiz, que decidirá a sua sentença de expansão. Se capricharmos no vár, teremos a pobreza da ema; se retalharmos o zea, teremos filhotes, eminhas num vale de fonemas.

Nesse lugar de indecisão e beleza quântica de sentidos, pelo menos provocada por uma simples pronúncia, morava seu Juvêncio. Juvêncio que também resguardava um problema gostoso no nome. Juvêncio que era pescador e que saía de casa às seis da tarde para noites de trabalho. Cruzava a várzea, descalço e sozinho, passava pela plantação andante de emas e pela Ema Rainha, subia num pé de eucalipto, com a rede nas costas e, lá do topo da árvore, alguns anjos estavam com uma escadinha que dava direto numa nuvem segura. De uma espécie de várzea celeste, Juvêncio estirava a sua rede de pescar. E pescava estrelas, estrelitas, piscagens do céu. Era por causa dessa labuta noturna, que Juvêncio economizava chapéu e calor: o suor era logo enxugado pelos querubins. Meia-noite, sempre ela, sempre à meia, Juvêncio voltava para casa, com o seu balaio de estrelas. E não vendia uma só pesca: tudo era doado aos vizinhos, que preparavam doces, tortas, sarapatéus, guisados e assados com os corpos de luz.

Dizia a lenda do povo de Várzea da Ema que uma palavra assim, como “estrela”, é brilhada no estômago de quem a engole. “Cada estrela fica pedindo para ser pescada com urgência, para que céus e mesas brilhem com mais intensidade”.

Um dia, o céu foi ficando escuro, escuro, cada vez mais escuro. Cada comedor de estrelas teve que se submeter a um plantão mensal para substituir os pontos vazios. Se isso não ocorresse, não nasceriam mais emas (animais pernudos, donos de várzeas que dependem de estrelas para que certos eventos semânticos sejam provocados).

Não sou ema, nem Juvêncio, nem várzea, nem estrela. Sei da estória e passo a noite espiando os plantonistas lá de cima. O Pequeno Príncipe estará lá, com a sua rosa?  

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