A ressurreição

Há mais de dez anos numa manhã escura e fria de Campina, daquela que a preguiça supera a capacidade de trabalho, tive que exercer as minhas funções de médico.

Fiz minha visita habitual, visitando os doentes em cada leito, revendo procedimentos e liberando os que estavam em melhores condições.

De repente adentra em minha sala uma secretária por nome Marlene com semblante de intensa aflição dizia-me: “Doutor, chegou uma jovem de três anos de idade, vítima de afogamento e que após exames complementares médicos tinha sido liberada para o necrotério. Porém gostaria que o senhor emitisse a sua opinião”.

Fui à sala de gesso e encontrei um corpo de um pequeno cadáver e ao lado o seu pai aos prantos contou a seguinte história: ele tinha ido com suas duas filhas gêmeas na casa da sogra e em dado momento uma das meninas tinha desaparecido.

Após uma procura de 15 minutos, encontraram-na no fundo da piscina, da retirada mais transporte e chegada ao hospital já havia passado 45 minutos.

Pedi a um enfermeiro para que retirasse a atadura que envolvia o corpo de pequeno cadáver, comprovei que a criança apresentava todas as características de morte encefálica.

Contei-lhe que nada poderia fazer e em determinado momento ele se ajoelhou aos meus pés e juntos com os familiares, amigos, enfermeiros, visitantes, funcionários e curiosos começaram em mãos dadas uma corrente de oração.

Lembrei-me de Lázaro, e porque não?

De imediato fiz-lhe uma entubação traqueal e como por experiência, sabia que muitas das vezes o frio favorece a função cerebral zerando o metabolismo basal impedindo um quadro de hipoxia.

Comecei fazer massagens cardíacas inclusive com medicações realizadas por punção cardíaca, após 15 minutos de longo e sofrido esforços e contando com a participação de outros colegas, em um dado momento senti uma forte pancada do seu coração na palma da minha mão numa demonstração que tínhamos pegado a alma pela barra da saia a seguir, surgiram às primeiras manifestações de respiração.

Naquele instante vi o fenômeno da ressurreição se estampar nos meus olhos e Deus na sua profunda bondade deu-me o direito daquele inesquecível momento. Estabilizado o quadro levamos a jovenzinha de três anos de idade para a Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Antonio Targino.

Após melhora do quadro, esta jovem foi transferida para Recife, berço de seus familiares e jamais tive noticias de sua evolução.

Na certeza absoluta de que Deus teria tomado decisões de sua evolução segui adiante com minha luta de buscar através das minhas forças eu maneira de continuar tentando salvar.

Sempre cumpri com dignidade a forma mágica que faz daquele que abraça esperança, uma formula de trazer conforto para famílias que perderam seus filhos, e muitas das vezes encarei a dor chorando junto.

Trouxe sonhos com a força da minha crença; trouxe jovens que aparentemente estavam mortos para vida; trouxe alegrias e enxuguei lágrimas por meu respeito ao próximo.

Após 10 anos, achava-me em frente da casa de praia em Camboinha quando um carro parou e de dentro desceram quatro pessoas “um casal e duas mocinhas” o pai trouxe-me uma jovem bela com 13 anos apresentando apenas leve defeito na marcha do pé direito.

O Seu pai então disse: “peça a bênção a seu pai”, ai eu voltei há 10 anos e reconheci; tratava-se da jovem que por ajuda divina continuava compartilhar de seus familiares da felicidade completa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
CLIQUE E LEIA

Eu, violenta?

De repente, cenas de violência estarrecem e deixam um país em pânico. O susto com a trágica dimensão…
CLIQUE E LEIA

A involução cultural

O processo de involução cultural na sociedade brasileira tem avançado aceleradamente nos anos recentes. Estamos “glamourizando” a pobreza…
Total
0
Share