A Ditadura, Cajazeiras e os donos da verdade

Meus novos leitores: em algumas situações eu me sinto, não com uma certa ponta de orgulho, um predestinado: eu estudava no Educandário Santa Terezinha de Dona Zefinha Ricarte, junto com minha irmã, e Dona Carmelita Gonçalves iniciava no período diurno no Colégio Comercial o que viria a ser o Colégio Nossa Senhora do Carmo, e minha mãe, numa decisão salomônica me transferiu para lá: então eu me tornei uma das poucas pessoas que foi educado pelos dois maiores ícones de nossa educação fundamental, D. Zefinha e D. Carmelita. Mais outras coisas que será objeto de outros textos.

Em 1967, nos mudamos para o apartamento de nossa avó, Dona Ceci Brocos (quanta saudade), em Copacabana e vivenciamos o período mais eletrizante, sobre todos os aspectos, significativo, para o bem e para o mal, de nossa história no século passado: a exuberância de Ipanema,  dos festivais (vi Vandré interpretando “Caminhando”, ao vivo no Maracanãzinho), Visitamos o túmulo do estudante assassinado no Calabouço, Edson Luiz, as passeatas e a brutal repressão a elas, e o anúncio do AI-5,lido por Alberto Curi e  transmitido pela TV Globo ao vivo. Nós, como bons sertanejos que éramos gostávamos de jogar sueca no apartamento de minha avó, pelo menos duas vezes por semana. Um dos participantes era Evandro Cartaxo, que foi designado pela OAB para fazer a defesa dos presos políticos “os comunistas” que falam hoje. No  nosso edifício, o síndico era um general de pijamas, (reformado) então tínhamos de escutar os relatos de Evandro aos sussurros, e ao sair, Salviano Leite, nosso primo pelo ramo dos Matos, ex- presidente da Caixa Econômica Federal, filiado a Arena, falava: “essa conversa não pode sair daqui”. Tais eram os tempos sombrios. Quando você via um policial, você não se sentia seguro, na realidade você tinha medo de ser preso.

Então em 1971, voltamos para Cajazeiras, e aqui era a sede da Terceira Eompanhia de Engenharia do Segundo BEC, sediado em Caicó, que estava terminando de fazer o asfaltamento de BR 230, a maior obra estruturante de nossa cidade até hoje, na minha opinião, que tinha comandante Um cidadão que Cajazeiras precisa reverenciar de uma forma condizente com seu papel aqui desempenhado: Capitão Kleber. Ele e sua esposa Dona Zezinha, eram extremamente sociáveis, e moravam na nossa pracinha, e a gente fazia churrascos pantagruélicos, festas de São João formidáveis, que amanheciam o dia e se dançaram mais de vinte quadrilhas. A quadra da AABB era longe: Cap. Kleber mandou construir a “quadra do Batalhão” que até hoje e usada, como a quadra do Leblon. Em relação ao período de repressão do Rio de janeiro, aqui era o paraíso, até o Cabaré se mudou da “Paia” para as “Mangueiras”. Veio o Posto de Lauro e a churrascaria do Gaúcho, bem discreto e aconchegante, com a autêntica carne dos pampas, e em 1973, o algodão teve uma safra recorde, com preços muito altos: era comum ver os matutos tomando whisky  escocês. As nossas Semanas Universitárias eram um evento em que o último conferencista era o governador e chegava a rivalizar com a exposição do Crato. Dizer que esse tempo não foi bom em Cajazeiras, é como não enxergar o sol. Eu falo sobre o que eu vivi e sei. Por exemplo, o fato de que Cajazeiras não tem praia.

Agora, eu comentei essa contradição e determinadas pessoas que não viveram nem lá nem cá, chegam, como detentores da verdade absoluta me contestar. Nunca neguei a repressão, mas sempre fiz essa ressalva. Muito tempo depois, num encontro com o “Coronel” Kleber eu o indaguei o porque ele nos tratava assim: ele me respondeu: “Pepé, eu sempre recebia instruções para monitorar os subversivos, que entre eles estavam Paulo Antônio , Ferreirinha, Dr. Sabino, Bosco Barreto, etc., as companhias mais agradáveis dessas nossas festas: e entre seguir a carreira militar e viver o melhor período de minha vida, escolhi a segunda opção”.

Para quem viveu aqui naquele tempo, uma ótima opção. E somos gratos a esse nosso conterrâneo de Fortaleza.

1 comentário
  1. Ainda bem que temos suas lembranças para chancelar as verdades que ouvi a vida inteira. Cajazeiras foi muito boa terra. Se hoje pudéssemos desfrutar do que ouvi falar, tenho certeza que os dias seriam mais felizes. Parabéns pela coluna, amigo Pepé!

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