A cidade enxerida

Em tom de brincadeira sempre digo que Cajazeiras é uma cidade enxerida, sempre procurando estar a frente de seu tempo, embora algumas das modernidades que ostentava orgulhosamente tenha sucumbido ante a avalanche dos novos tempos. Assim foi com os três cinemas que, até o final dos anos oitenta, traziam para a cidade os últimos lançamentos da sétima arte, a nível nacional e mundial. Todos fecharam suas portas ante da concorrência da televisão e de novas formas de entretenimento. Também desapareceu, num tempo mais longínquo, outro símbolo da modernidade, o trem que circulava gente e mercadorias e abastecia a cidade das novidades sopradas, sobretudo, da capital cearense.

A ousadia da cidade, no entanto, se espraia por outras veredas. Cajazeiras se transforma num importante pólo educacional atraindo uma população, sobretudo de jovens que, com frescor e entusiasmo, aquece o mercado imobiliário, lota os bares e restaurantes, consome suas mercadorias, movimenta suas feiras e faz pulsar suas ruas e universidades. Por ser centro de uma considerável região a cidade se destaca também como importante espaço prestador de serviços, nas áreas de medicina, gráfica, abastecimento de gêneros, serviços de beleza e muitos outros que, diariamente, ganham projeção e clientes de várias cidades, inclusive, de estados vizinhos.

A ousadia da cidade se manifesta também em sua pretensão de metrópole ou, se não, de imitar, toscamente, algumas delas. Assim, temos o Cristo Rei que, em sua acanhada estrutura, sonha um dia ser o Cristo Redentor do Rio de Janeiro. Isso, se não perecer asfixiado pelas teias da modernidade trançadas pelas antenas que engolem seu visual. Também temos o Leblon que, instalado às margens do açude grande, aspira suas águas poluídas e descortina o cenário de tuas margens diariamente e impunemente engolidas pela especulação imobiliária que rouba da população a possibilidade de usufruir de um interessante e aprazível espaço de lazer e preservação da natureza.

Assim a cidade, que equivocadamente celebra sua emancipação na data de nascimento de um dos seus ícones fundadores, vai buscando se amoldar as novas realidades que circulam por suas ruas, avenidas, becos e asas, sob a fumaça dos cachimbos de crack, os sons de jingles de homens públicos que alardeiam promessas minimamente cumpridas e as meninas adolescentes que, prostituídas em tuas madrugadas sertanejas, dormem anestesiadas pela alienação etílica e das drogas nas marquises e calçadas, expondo seus trajes rotos, seus pés sujos e sua dignidade aviltada.

No fim da tarde, um belo sol vermelho e ardente espalha brasas nas sujas águas de teu açude grande. O espetáculo que maravilha e inebria a forasteiros e nativos nos faz acreditar que esta terra ainda poderá tornar-se um interessante lugar para se viver.

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