As drogas legais e a perda dos amigos

Tinha um primo de minha mãe que eu considerava como se fosse tio, Dr. Aldo Matos de Sá, o mais competente farmacêutico de sua época. Meu pai, médico, muitas vezes mandava fórmulas para serem manipuladas por ele, pois desconfiava dos laboratórios, e realmente deveriam ser mais honestas estas.

Aldo ainda era rotariano, agropecuarista, foi presidente da Cervarp, solteirão que morava com a mãe, enfim, uma boa alma. Agora, paralelamente a todas essas qualidades, tinha um hábito que é muito comum na nossa sociedade; bebia um litro de whisky (Royal Label) todos os dias. Mas em nada ficavam comprometidos os negócios e compromissos.

Resultado: se foi aos 52 anos, tendo como causa maior, esse hábito. Eu ainda tive a ocasião de visitá-lo em seu leito de morte no Hospital Santa Izabel (JP). Dizíamos: é, Dr. Aldo, tem que parar… E ele respondia: agora só vou beber no carnaval (isso em fins de dezembro). Ele mesmo morrendo, ainda insistia em continuar esse hábito que o matou.  Perdemos todos nós, tanto sua família como a sociedade. Lembro que a destilaria parou a produção do seu whisky predileto e eu, em algum lugar, achei umas garrafinhas de doses do Royal Label e lhe presenteei no seu aniversário.

Ele confessou ser aquele o melhor presente recebido, o veneno que ia lhe matar, como mata até hoje um monte de gente, e todo dia vemos a propaganda na televisão que termina com “beba com moderação”, como que esse aviso, provavelmente obrigatório, teria o condão de acabar com os excessos que faz os alcoólatras praticarem todos os dias.

Em Sousa, corre a lenda de que um dos maiores juristas daquela cidade o Dr. Raimundo (Doca) Benevides Gadelha, quando foi ao médico, ele deu a sentença: Doutor, o senhor tem que escolher: beber ou viver, e ele teria respondido: então eu convido o senhor para tomar uma grande e comemorar… Não tenho certeza da veracidade, mas Doca morreu prematuramente, e não tive o prazer de tê-lo como professor de Direito, que diziam ser um dos melhores da UFPB, e o grande jurista que se foi precocemente…

Esse e outros vícios legais estão a nos tirar amigos e outras pessoas que poderiam estar entre nós, mas aceito pela sociedade, fica sorrateiramente a levar amigos e outras pessoas, que se tratadas, poderiam ainda estar contribuindo com a sociedade.

O famoso Mané Garrincha, também foi outra vítima, e os amigos e fãs, diziam para ele parar, era somente um conselhinho, que o mesmo, mesmo sendo a celebridade internacional que era, deveria ter outro encaminhamento: o álcool levou-nos o Gênio das Pernas Tortas, que somente tive a oportunidade de vê-lo uma vez e em plena decadência jogando pelo São Cristóvão no estádio Hygino Pires. Isso mesmo: o genial Garrincha que encantou o mundo com seus dribles geniais jogando no muro lá de casa.

Agora o leitor vai me perguntar por que eu estou escrevendo isso que todo mundo sabe: é porque eu levo as coisas de um modo muito pessoal. Acabo de perder em circunstâncias semelhantes dois amigos que eu gostava: Aldemir Mangueira e Fernando Bayma. Todos eu compartilhei altas rodadas, eram excelentes “companheiros de copo e de cruz”. O primeiro, eu vi sentado numa mesa, e depois de algum tempo de conversa, eu fui sabendo que ele estava quase que completamente cego, tinha perdido mais de 80 % da visão – sentado e tomando sua cervejinha…

O último, que como o primeiro, que conheci dede menino, eu adorava sentar nalgum bar (e como tem bar nessa terra…) e “tomar uma de testa” com Fernando: a gente nestas resolvia quase todos os problemas do mundo por uma noite. Extremamente inteligente e conhecedor da vida, por exemplo, foi ele que me disse o significado de “cagado e cuspido” que seria originalmente “retratado e esculpido”, temos que foram aos poucos corrompidos pelos analfas.

Quando cheguei no Bar de Genésio esta semana, senti um enorme vazio e fiquei um certo tempo esperando que Fernando fosse aparecer…

E assim, em Décio, eu que frequento há mais de vinte anos, estão faltando um monte de amigos, somente para citar dois exemplos, faltam Marcílio do Detran e Blu, duas figuras ímpares que deixaram suas marcas onde passaram. A maioria da Turma dos Penetras, se foi aos sessenta anos, os maiorais dos anos 60/70, tempos maravilhosos, que mesmo substituídos pela nova geração, não lhes chega ao estilo daquela época.

É como se o Forró eletrônico tivesse a menor chance de se ombrear à MPB de Vinícius, ele também um grande bebedor que entre outra pérolas afirmou que o whisky era o melhor amigo do Homem, “o cachorro engarrafado”, agora que também mata.

“Beba com moderação” – que cinismo…

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