A burrinha de ouro

Era uma vez uma burrinha de estimação. Em dia de feira seu dono desfilava, garboso, pelos caminhos de barro, da fazenda até a cidade. Por onde passava, muitos lhe invejavam ele metido no terno branco, montado na égua de passo firme e ligeiro. Frequentava também as feiras da vizinhança de seu sítio, sempre que tinha negócio ou apenas para informar-se das novidades, rever conhecidos e parentes que, aliás, eram muitos e espalhados em propriedades naquele longínquo sertão. Vez por outra, ele visitava os primos nas redondezas para um dedo de prosa. Sempre na mesma burrinha. Por isso, ela conhecia todas as veredas e atalhos. Mais até do que o próprio dono.

O dono da burrinha não era grande fazendeiro. Sua potência ficava assim no meio termo entre os gigantes do algodão e criadores de gado. Nem dispensava a lavoura de subsistência, coisa de morador, meeiro e arrendatário. O personagem desde história era, portanto, um médio proprietário, respeitado e de boas relações, como muitos na região. Invejado por alguns, é verdade, mercê de sua burrinha. Vendê-la? Jamais. Quantas vezes enjeitara ofertas com dinheiro vivo na frente! Nada lhe abalava. Ele até achava um exagero aquele interesse pela sua montaria. Uma coisa é verdade, ele a tratava a pão-de-ló, como certa vez, pilheriando, lhe dissera Romeu Menandro Cruz, um dos “heróis” da resistência ao assalto de Sabino Gomes e seu grupo a Cajazeiras.

Como é fácil perceber, esta história é do tempo do cangaço.

Certo dia, um grupo de facínoras arranchou-se num coito vizinho ao sítio do homem da burrinha. Por precisão, o chefe do bando requisitou a bichinha. E lá ficou o dono a maldizer a ausência do seu animal de estimação. Na feira seguinte, o coitado teve de explicar a todos o sucedido.

– Compadre, você está que nem velho quando perde amor novo…

E tome gozação! Quem olhava com olho de inveja a burrinha passar na sua porta, não segurava o riso no canto da boca… Ele fazia de conta que nem notava. Aquela desgraça poderia ocorrer a qualquer um, pensava, mera questão de sorte ou azar. Levou azar. Poderia afrontar os cangaceiros? Nem pensar, quanto mais agir. Dá parte à Polícia? Era o que faltava… Tudo farinha do mesmo saco. Foi azar. Carregava nosso personagem esse peso, quase um pesadelo, a consolar-se com a lembrança de tragédias praticadas pelos sem lei, ocorridas ali bem perto dele, com castigos perversos, violações e mortes.

De manhã cedo, ao levantar-se, ele viu a burrinha debaixo do juazeiro, encostado ao curral. Morto de alegre, notou dois surrões, um de cada lado da sela. Desconfiou. Dias antes, um bando de malfeitores roubara, matara e estuprara em fazendas da região. Quem sabe, o “dono da mercadoria” poderia esbarrar a qualquer hora em sua porta. O medo foi mais forte do que a curiosidade. Não olhou. Melhor aguardar. Assim fez. Limitou-se a tirar os arreios e matar a sede e a fome de sua burrinha. Longa espera, noite em claro.

No dia seguinte, tudo estava no mesmo lugar. Então, tratou de descarregar. Surpresa! Moedas de ouro. Que fazer? Esconder. Foi o que fez. Deitou-se na rede, estendida na varanda, e sonhou com os pés no ouro e na prata. Nada de alvoroço. Iria gastar pouco a pouco para não dar na vista. E assim fez. Quase vira banco, numa época que aqui nenhuma agência existia. O dono da burrinha fez poderoso e honrado chefe de clã do sertão.

Há gente presa na Operação Lava Jato sonhando com uma burrinha para explicar-se à Justiça! Ih, além dos presos do Paraná, tem gente daqui sonhando com a burrinha…

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