Vinícius de Moraes e de amores

Segunda-feira última, 19, Moraes, anagrama de amores, estaria completando 107 anos.

Guardo na memória programas musicais televisivos em preto e branco onde ele e Toquinho, dupla que marcou a MPB nos anos setenta, nos inebriavam com suas canções poéticas.

Era um inveterado bebedor de uísque às câmeras abertas. Era natural vermos num show o foco do cameraman no copo de uísque sendo elevado à boca de Vinicius em intervalos de músicas cantadas, como se fosse o líquido a lubrificar sua voz macia a cantarolar e nos embebedar, principalmente quando cantava Tarde em Itapoã.

Nós, jovens, bebedores também, não de wisk, porque era dose inalcançável a nossos bolsos e nossas bocas, salivávamos pela música em si, pelo o wisk distante e pelo glamour emanado da vida boêmia do músico, poeta, intelectual e diplomata Vinícius de muitos amores.

À flor da idade de fígados indestrutíveis, nós frangotes ouvíamos caipiroscados a canção Eu Sei Que Vou Te Amar como se estivéssemos embevecidos de amor fraterno por todas as mulheres do mundo. Todas. Nossas namoradas, nossas mães, nossas irmãs, nossas santas senhoras de Fátimas em catedrais, nossas respeitadas prostitutas, nossas loucas atrizes que nos deixavam loucos de amores pela vida em telas dos cinemas de Cajazeiras. Jovens, à mesa de bares, botecos e bafafás, filosofávamos que a inspiração poética, sublime, arrebatadora de Vinicius advinha da celebração à bebida alcóolica, ou seja, ao uísque. Concluíamos positivamente em gênero, número e principalmente no grau. Não é à-toa que ele cunhou a famosa frase: “o uísque é o melhor amigo do homem: é um cachorro engarrafado”.

Anos depois, em Brasília, em casa tínhamos seus discos porque a namorada de um irmão meu comprava todos para ele, que era gamado na dupla, e quando ela chegava em casa só rolava os dois na radiola. Adorávamos, porque ele patrocinava o cachorro engarrafado. Meu pai também era um apaixonado por esse melhor amigo do homem.

Semana passada acabei de ler O Mais Estranho dos Países, de Paulo Mendes Campos, onde ele tece um rápido perfil de seu amigo Vinicius. Amigão. Chama a atenção o total desprendimento material do poetinha. Certa vez viu que seu carro fora roubado. Estavam num bar. Não quis ir procurar, nem com insistência de Paulinho – tratava a todos no diminutivo como forma de carinho. E afirmou: “Nem que fosse um Rolls-Royce último modelo eu largaria agora o meu uisquinho”.

A admiração por sua poética extrapola os simples boêmios. Chegou aos pés da santidade Jorge Bergoglio, o Papa Francisco. Citou Sua Santidade o poetinha na recém encíclica, Fratteli tutti: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.

Com isso elevo o cálice de vinho pela vida e celebro: viva Vinicius, o papa da musicalidade poética popular brasileira.

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