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VALIOMAR ROLIM

Desde a mais tenra idade destacou-se por duas coisas: o extremo apego às coisas materiais e o tamanho daquela parte do corpo que nele convencionou-se chamar a terceira perna. Assim foi Caminha desde o começo. Descendente da aristocracia rural sertaneja, ainda jovem, quando seu pai estava no fim da vida, foi acometido por uma doença grave e misteriosa que levou, dizem as más línguas, o velho passar, ainda em vida e em prejuízo dos demais herdeiros, parte do patrimônio para o seu nome com o fim de amparar os netos, ainda na primeira infância e já em vias de se tornarem órfãos.

O excessivo zelo pelas posses colocou Caminha como personagem  em situações que o tornaram famoso. Ficou como protagonista em histórias em que viveu e, talvez muito mais vezes, naquelas em que não viveu. Homem bom e honesto, nunca conseguiu destaque social na cidade por conta de sua fama de avarento.

No colégio, seus filhos, com freqüência, eram submetidos a gozações, sempre tendo como tema a sovinice do pai. Contava-se que ele dizia aos filhos que aquele que não almoçasse ganharia uma certa importância para, no jantar, cobrar a mesma quantia de quem fizesse a refeição. 

Depois de comprar a grande casa que fora construída pelo Monsenhor, Caminha e a família foram morar na Rua dos Ricos, como era conhecida a área. Algum tempo depois, espalhou-se pela rua o boato que ele havia retirado o piso da casa e o vendera, no afã de juntar dinheiro, a mesma ânsia que o levava diariamente ao Banco do Brasil fazer retirada de todo seu saldo num caixa, dar umas voltas com os bolsos cheios e retornar ao banco para depositar tudo novamente em outro caixa. 

Marcelo, morador de uma das casas que faziam limite com a vivenda de Caminha, estava, há algum tempo, à procura dele e sempre que via alguém da família ou amigo comum perguntava, manifestando sua necessidade de avistar-lhe e salientando que tinha um assunto sério a tratar. Desconfiado e receoso que fosse bronca entre vizinhos, Caminha evitava o encontro e ia deixando o tempo correr e o esquecimento arquivar aquela conversa até que cruzaram-se na rua tornando inevitável aquela entrevista.

Foi logo dizendo que Marcelo era muito difícil de se ver, que vinha há tempos procurando-o e que, já imaginava, o motivo da conversa deveria ater-se ao Banco do Brasil, onde Marcelo trabalhava. Mostrou-se surpreso quando o vizinho declarou que o banco nada tinha a ver com aquela procura e que o assunto ligava-se aos filhos dele que transformaram-se em grandes predadores do galinheiro que mantinha nos fundos de casa, onde criava galos de rinha de valor muito alto para terem o indigno destino de completar a mesa mal servida dos filhos caquéticos do complicado vizinho.

Foi um festival de desculpas. Caminha teria amaldiçoado os filhos. Como poderiam causar-lhe tamanha vergonha? Como os filhos dão desgostos aos pais! Tantas galinhas que tinha nas fazendas que possuía? Não! Iria mandar os filhos, todos os filhos, às fazendas onde permaneceriam até fartarem-se de comer galinhas. Nunca mais passaria por aquilo.

Diante daquele discurso tão inflamado Marcelo só teve uma contestação:

– Vá você também, Caminha!

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO

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