Vida de Artista

VALIOMAR ROLIM

Era muito cedo para o filho de seu Waldemar ficar acordado até ao dia raiar. Treze anos era uma idade muito tenra. Só alguém como o pai dele deixava. Era a velha política de não proibir para não incentivar. Mas o moleque, alem da atração pelo aplauso, pelo brilho do palco e pela popularidade com as meninas, ouviu demais a conversa de que havia um garoto que amava os Beatles e Rolling Stones e abraçou o sonho do palco, das luzes, da penumbra e dos bailes.

O diabo era posar que encarava com despreocupação quando via um filho, quase nem adolescente ainda, sair pela noite para animar bailes que tanto podiam acontecer nos clubes locais, como nos de outras cidades, e até de outros estados.

Nunca, na sacrossanta inocência dos pais, poderia imaginar o que poderia acontecer nos palcos em que o garoto freqüentava. Sabia sim, que seu penúltimo filho tocava contrabaixo num conjunto de yê yê yê e isso era mais que suficiente para o deixar muito preocupado.

Época em que a moda era ser diferente e contestador, que pai não pensava num filho, quase o caçula, a misturar-se com aqueles músicos egressos de cabaré? Isso sem falar dos amigos, com as cabeças cheias das mesmas e tolas idéias, que configuravam-se unicamente no que ele classificava de porra loucas.

Enlouqueceria se sonhasse que seu moleque, no baile em que estreara, havia se submetido a uma revista policial e, pelo fato de ter só treze anos, escapara de uma grande surra. Pior sorte teve o decano da banda, o velho Seu Dedé, que submeteu-se a uma coça, um tapa a cada vez em que, por ser gago, não conseguia completar a frase e dizer que era músico. Tudo isso por não portar uma arma para satisfazer à ganância da polícia do Ceará que, na vontade de ganhar algum, tratara os músicos como bandidos.

Waldemar, mesmo com toda preocupação que poderia ter, daria uma grande e sonora risada se seu Dedé, o colega mais velho dos garotos, lhe contasse que apanhara da polícia cearense, apanhara muito, mas como valente, pois não dera um único gemido, um único grito. Apanhara calado, como homem, macho como ninguém, sem gemidos ou grunhidos, nada que demonstrasse a enorme dor que sentiu.

O melhor foi aquele grande molhado, entre as pernas das calças de seu Dedé, que chamou a atenção de todos e, por mais que tentasse, por mais que gaguejasse, não conseguiu convencer a ninguém de que aquilo era somente um copo de cerveja, que a oportunista e esculhambada polícia do Ceará teria jogado em suas calças e não uma mijada que o medo inoportuno provocara.

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO

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