Teste de direção

VALIOMAR ROLIM

No interior da Paraíba surgia uma liderança que interagia com tudo e com todos e provocava reações que iam do medo à esperança, da revolta à insegurança, da fé à desconfiança e até a alegria pura e simples pela animação com que a cidade era tomada nos atos públicos promovidos naquela campanha.

Como se fora o país em miniatura, a cidade mostrava sua cara em todos os ângulos, o poder constituído preocupava-se, o clero dividia-se, o poder econômico posicionava-se contra, os estudantes faziam militância e o povo dividia-se na esperança, alegria festeira e permanência nos currais eleitorais.

O motor de tudo aquilo era um jovem advogado local, Bosco Barreto, fruto da aristocracia urbana com o latifúndio rural. Recém chegado do Recife onde cursara Direito e Filosofia, fora discípulo político de Dom Hélder Câmara e contemporâneo de política acadêmica de Marco Antônio Maciel, afirmava-se paulatinamente como a força política emergente do sertão, uma espécie de enfant terrible da política sertaneja.

A verve inflamada e panfletária, a gesticulação ao ritmo da falação, o aspecto despojado e o apego ao Pe. Cícero Romão fizeram dele uma figura inspiradora de verdadeiro fanatismo, um líder messiânico, carismático no qual a admiração de seus seguidores tinha um reflexo de contestadores que, às vezes exaltavam-se ao atacá-lo, tanto como seus seguidores mais fanáticos em enaltecê-lo.

Meus irmãos! E minhas irmãzinhas também! Era seu grito de guerra e a frase com que o taumaturgo do Juazeiro iniciava seus sermões. Ao ouvi-lo, o povão ia ao delírio e os adversários ao desespero, sobretudo quando convidava a audiência para quebrar a panela da prefeitura.

Tinha uma modalidade de provocação: convocar seus adeptos a realizar pequenos trabalhos comunitários em mutirão. Isso levava o prefeito e a classe dominante à loucura, até o Sr. Tota Assis, amigo de sua família e pai de dois de seus maiores amigos (Costinha e Severino Cartaxo), de tão incomodado, em discurso marcante rotulou-o de beato Lourenço e suas varredeiras, numa citação a Antônio Conselheiro e com isso destacou-se por dar às forças conservadoras um apelido para o jovem líder.

Era uma em que noite estava programada uma grande passeata de Bosco Barreto, seguidores eufóricos, situação torcendo pelo fiasco, a cidade toda envolvida, indiferente. No jantar na mansão de Seu Tota a empregada doméstica foi expedita como nunca, rápida como nunca serviu a mesa, lavou a louça e arrumou tudo com aplicação e retirou-se dizendo que ia dormir.

Findo o jantar Seu Tota foi à estação rodoviária ver a passeata passar. Lá, postou-se no meio fio da calçada para ver e avaliar se a quantidade de gente presente conferia com a que era propalada pelos bosquistas.

Praça repleta, passeata crescendo e a moça bem no miolo da festa. O aperto era tão grande que ela resolveu sair para as laterais onde era animado e não a imprensavam tanto. Conseguindo uma área onde podia se esbaldar, o fez com tanta alegria, tanto entusiasmo, que chamou a atenção de todos que da calçada observavam a passeata. Ao desequilibrar-se na dança, esbarrou-se num senhor que estava na calçada e quando ergueu o olhar para pedir desculpas, reconheceu no homem seu patrão, Tota Assis. Perdida, sentiu que a melhor defesa seria o ataque e conclamou seu patrão aos gritos de “vamos quebrar a panela! Seu Tota!” A resposta foi imediata:

– Me respeite! Você sabe quantas marchas tem um fogão?

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO CAJAZEIRENSE

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