Os herdeiros

VALIOMAR ROLIM

Idos da década de quarenta, Sousa em peso só falava no pessoal de fora que, sem que se soubesse a razão, aparecera naqueles dias. Não se tinha notícia de circo, encenação de dramas, parque de diversões, nada que tivesse trazido aqueles tipos diferentes à cidade.

A curiosidade já era incômoda quando, juntando informações de bodegueiros, donos de bar e lojistas, soube-se: era a família do velho e rico fazendeiro que falecera recentemente e, uma vez na cidade para os funerais, permanecia para a missa de sétimo dia e partilha dos bens.

Morando na capital desde a adolescência, quando estudantes, os herdeiros não conheciam nem eram conhecidos por ninguém na cidade e não queriam, por nada nesse mundo, algo que os ligasse àquele marasmo decadente do interior, pelo que, apressavam o inventário para, de uma vez por todas, cortar qualquer elo que os unisse ao passado e à cidade.

Sousa acompanhou atentamente todos os passos dos engravatados. Era uma gente que vestia-se com toda pompa, mesmo durante o dia, com o sol a pino e o calor que oprime naquelas paragens, com o bafejo do vento cálido. A absoluta falta do que fazer levou todos, homens mulheres e meninos, a descobrir o maior anseio dos herdeiros: saber o tamanho da herança.

Como os imóveis urbanos e os valores em dinheiro eram mais fáceis de mensurar, viram que a dificuldade maior era saber a extensão das terras. A comunidade, num todo, discutia como ajudar a resolver aquele que, naquele momento, tornava-se um problema de todos.

Acendeu-se a solidariedade e boa vontade, sentimentos característicos do sertanejo, e toda urbe tomou o problema como se fosse seu, de cada um deles. Teriam de dar um contributo àquela questão que já não era dos herdeiros e sim de todos. Urgia que a terra de Bento Freire desse uma solução ao caso.

Para não trazer Sabino Guimarães, o único agrimensor da região, aquele barbudo que, além de ser comunista, era de Cajazeiras, teriam de arranjar uma solução doméstica e sousense. Puseram-se todos a procurar uma pessoa preparada, habilitada, senão brilhante, mas o mais competente que dispunham para a tarefa.

A discussão envolveu a todos, tornou-se uma questão de afirmação de valores municipais. Sem que os reais interessados imaginassem, motivou as mais acirradas discussões. Exauridas todas as divergências chegaram a uma conclusão: Nôzinho, morador de Zé de Ananias seria o escolhido. Ninguém melhor que ele seria capaz medir as glebas.

Indicação feita e aceita. A medição parecia uma solenidade. Os herdeiros, todos enfatiotados, assistiram à medição. Após quatro solenes dias, observando, conferindo, fiscalizando, quiseram saber o tamanho da área a ser dividida. A resposta os deixou tontos:

– Espere, era prá contar? Pensei que era só prá medir.

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO

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