Henrique versus Matias

VALIOMAR ROLIM

Nasceu o primeiro filho, escolhido o nome, ao cartório onde seria feito o registro civil. O tabelião, Zé Coelho, como todos os seus pares, imbuido do extremo convencimento de profundo conhecedor na colocação de nomes em filhos alheios, não deu nem chance à discussão. Walter? Que nada! Waltemar que não era nome estrangeiro e ficava parecido com o nome do pai, Waldemar. Estava escolhido o nome, não havia o que discutir e ponto.

Veio o segundo rebento. Uma mulher. Ah, dessa vez não haveria de se ouvir opinião nem de juiz, quanto mais de tabelião? O nome seria Vilma, como Eva Vilma a atriz que brilhava nos filmes da Atlântida, sucessos no cine Éden do velho Carlos Paulino. No cartório, sem chance; Zé Coelho não deu margem à menor discussão, Vilma? Já pensou? Uma família que tem Waldemar, Waltemar,Maria Augusta? Tem de ser Vilmar, assim fica uma família com nomes de formas características e, sem ouvir ou aceitar argumentos nem vontades, fez o registro. Dessa forma aconteceu com o terceiro filho, Wilzo, (masculino de Wilza) que teve seu nome transformado em Vilzimar, tudo em nome da característica da nomenclatura familiar.

De barriga em barriga, é chegada a quarta gravidez. Essa será a vez da família, pensaram. Maria Augusta, desde que desconfiou-se grávida, começou a tratar o seu concepto de Henrique, nome de reis, do seu avô materno, de seu irmão, de seus primos. Waldemar também já se imaginava homenageando seu pai, o velho juiz de paz, o professor do sul cearense, a quem todos chamavam de mestre Matias, e a seu irmão caçula que, a exemplo e em homenagem ao pai, também tinha o mesmo nome. E foram os dois, cada um pensando, construindo seu sonho, sentindo os familiares homenageados a cada vez que o filho fosse chamado, citado ou referido.

Havia um pequeno problema. Nem em sonhos, chegava à cabeça de um o que era realidade na mente do outro. Só com o nascimento da criança, e só no mijo do menino (comemoração feita por ocasião do nascimento de um filho.), é que as perguntas dos amigos fizeram com que o casal, involuntariamente, revelasse o seu projeto individual tão íntima e inconscientemente guardado. O pequeno problema agigantou-se, todas as atribulações advindas da chegada de um recém nato tornaram-se liliputianas, ínfimas. Agora, colocar o nome que escolhera naquela criança, impunha-se como o objetivo maior para cada um daqueles dois. As interferências de parentes e amigos foram infrutíferas. Estava deflagrada a guerra do nome. Tudo agora era motivo para discussão, reclamação ou justificativa por qual motivo aquele, que cada um elegera, deveria ser o nome do menino.

Chega finalmente o dia do batizado. De comum acordo, (só nesse ponto) foram escolhidos os tios paternos Micena e Donana para padrinhos. Waldemar havia dormido no Melão, propriedade da família, onde administrava a moagem do engenho de rapadura. Já estavam todos na igreja. Todos, menos Waldemar, que se demorava a chegar. Para Maria Augusta, impaciente, parecia até de propósito, atribuía aquele atraso a uma manobra para pressioná-la, na ausência do esposo, a batizar o filho com o nome por ele escolhido. Pela estrada, Waldemar dando tudo que o caminhão e ele conseguiam, pensava, se teria ela a coragem de, aproveitando-se do fato dele estar ausente, colocar  no menino aquele nome? O Padre vinha se aproximando. Estava chegando a vez do menino ser batizado e o pai não aparecia. Nisso, Micena olha para a porta da igreja e, vendo Waldemar, dirige-se à cunhada:

– Maria . Ele chegou!

– Quem?

– Demar! (chamando Waldemar pelo apelido de casa)

O Padre entra na conversa perguntando o nome da criança e Micena, desapercebido, continua mostrando a Maria Augusta o irmão que acabara de chegar.

– Viu Demar?

Ao que o padre solenemente….

– Vildemar, eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.  

Dia seguinte no cartório, Zé Coelho, sabendo da disputa em torno do nome daquele filho, logo convenceu o pai, pouco satisfeito com o nome dado, de que aquela criança valia muito mais, já começara a vida criando aquela celeuma, esse valia tudo, valia o mar. Aí está o nome, Valiomar. E registrou.

Assim, só no quinto e último filho, conseguiu colocar o nome que queria. Também pudera, qual o tabelião que vai tentar convencer a um pai a não colocar num filho o seu próprio nome?

Ainda por cima começando por W e terminando em MAR?

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO

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