Coisa de comunista

VALIOMAR ROLIM

Ano da graça de 1969, todos com quatorze anos, nem falavam grosso ainda. Recém saídos de Cajazeiras, viviam seu primeiro ano na capital. Para movimentar a vida, procuravam acontecer em tudo que faziam. Quando iam ao cinema, tentavam aparecer com as mais diferentes brincadeiras. Até que encontraram uma que inflamava seus egos: soltar bombas juninas em plena sessão de cinema.

Com as bombas que sobraram da campanha de Epitácio Rolim, em 68, fizeram a maior festa nos cines Rex, Municipal e Plaza. A capital dobrava-se aos adolescentes de Cajazeiras.

É certo que os artefatos haviam sido feitos sob encomenda, para responder ao irmão do prefeito que votara na oposição. As bombas eram tão fortes que, explodidas no meio da rua, derrubavam copos de alumínio, arredondados pelo uso, na cozinha, a trinta metros de distância.

Os meninos nem queriam saber disso. Faziam preparos com ligas de dinheiro que, atadas aos pavios das bombas, aumentavam a duração dos mesmos. Quando acontecia a explosão eles já haviam se disfarçado.

Uma vez, após tentar sacudir uma delas longe, o filho de Seu Waldemar não conseguiu, foi traído pelos pés das cadeiras que não a deixaram ir até onde ele queria. O artefato caiu perto da poltrona onde estava sentado e explodiu.

Um senhor de meia idade viu tudo. Foi o maior escarcéu. Ergueu-se e, com toda a credibilidade que a idade e os cabelos brancos lhe davam, protestou aos berros. Clamou que não se podia mais assistir a um filme e que cinema era uma diversão ao alcance de todos, até aqueles comunistas aparecerem para perturbar a vida dos comuns mortais. Insistiu, aquilo era coisa de comunistas, dos mais safados. Sempre enfatizando a palavra comunista.

O estudante, nada mais do que um moleque, tremeu nas bases. Veio o medo de ser expulso do cinema, da humilhação de ser preso e, naquela época, do temor de ser enquadrado como terrorista.

Só teve uma saída.

Para virar a situação, o moleque perguntou, no mais alto e bom tom que podia dar, ao então revoltado paladino da justiça:

– O Senhor sabe o que é comunista?

Diante da resposta negativa, fez um discurso em cima da ignorância do irado senhor, exaltou a ignorância dele e o que ela podia causar quando qualificava alguém do que nem sabia o que era. Acuou quem o acuava, desviou o rumo da conversa. 

Saiu do cinema como herói.

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E ESCRITOR

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