Calça curta

VALIOMAR ROLIM

Eram todos do interior e moravam na capital. Nascidos entre o fim da década de 40 e a primeira metade dos anos 50, estavam no começo de suas vidas profissionais e encontravam-se todas as sextas-feiras no fim da tarde para uma bebida quando a conversa rolava frouxa, as fofocas eram colocadas em dia e reviviam-se os bons tempos de estudantes e as coisas de suas (deles) cidades numa reunião alegre e sem compromisso que mais tarde nossa dependência ao culto da língua inglesa veio a denominar de happy hour.  

Legítimos espécimes da linhagem que teve a “Redentora de Março” como pano de fundo, em suas vidas acadêmicas assim como no início de suas carreiras, pautaram seu comportamento e postura como resultado do bombardeio ideológico a que eram submetidos à época configurando-se na mais eloqüente representação da chamada geração perdida, caracterizada pela troca do engajamento político social, próprio da idade, pela ausência de compromisso, a alegria quase alienada, a brincadeira pela brincadeira.   

Getúlio Leitão sempre aprontou as maiores e melhores com aquele seu conterrâneo que não gostava de ser chamado por aquele apelido precedido pelo dignitário tratamento de “Dom”. Numa das mais marcantes que preparara, Getúlio quase conseguia a inimizade eterna do seu “nobre” conterrâneo quando, aparentando não se aperceber que a esposa dele ouvia a conversa, comentava insistentemente, apesar das reiteradas negativas do interlocutor, acerca de um suposto romance que estaria acontecendo entre o desafortunado amigo e uma secretária do DETRAN, quase provocando a separação do casal.

Naquele fim de tarde de Sexta-feira estavam todos a postos no barzinho do Posto Maia bebericando, papeando, brincando e, junto com eles, comemorando o aniversário de uma delas, estava uma turma de funcionárias do DETRAN, todas trajando uniformes do órgão. A juventude das meninas, o álcool, a fumaça do cigarro, a pouca luz, tudo aquilo junto dava à ocasião um clima de fantasia, um toque de delírio que fazia as emoções aflorarem, os horários serem esquecidos e, perdida a conta da bebida ingerida, o espírito de Baco já dominava alguns corações e mentes. 

Já passava das vinte e duas horas quando aquela jovem de calça jeans apertada de cintura baixa e blusa pequena aparecendo o umbigo com o símbolo do DETRAN estampado, envolvendo um corpinho jovem, ereto, com tudo no lugar, um pecado exigindo ser cometido, pedindo a chave do carro de Getúlio para repousar um pouco por estar devidamente embriagada. Pedindo um tempo, Getúlio alertou-a para que não chamasse atenção dos demais, enrolou um pouco e, quando ninguém mais prestava atenção, apanhou displicentemente uma chave na mesa, conduziu a jovem até um carro, onde acomodou-a no banco traseiro, voltou à mesa  e a farra continuou.

Ainda hoje se especula como o nobre “Dom” se virou para explicar à sua esposa o que aquela moça estava fazendo no banco traseiro do seu automóvel dentro de sua garagem àquela hora da manhã.

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
Total
0
Share