Ao vivo

VALIOMAR ROLIM

Fora realmente uma tragédia, uma desgraça. Acontecer aquela fatalidade com aquela figura tão proeminente, e pior, não estar presente na cidade à hora do socorro, só sendo obra do destino. Ele que sempre fora tão cuidadoso na profissão, tão consciente nos seus atos, agora passar por uma provação daquelas? Era o que dava trabalhar em cidade pequena. Deus só podia estar lhe pondo à prova.

As atitudes hostis, os comentários da família do falecido, somados às pressões de sua família, levaram-no a mudar-se para uma cidade maior, com melhor padrão profissional para um médico, onde poderia exercer mais plenamente a profissão que abraçara e, principalmente, diferenciar-se dos médicos de sua cidade posto que, agora seria médico na cidade polo regional com todo o status que isso lhe traria.

Parecia uma compensação divina. Como médico sediado na cidade maior, via aumentar sensivelmente seu prestígio na sua pequena localidade. A simples citação de seu nome nos programas de variedades das estações de rádio quando informavam os plantões hospitalares, de farmácia e de polícia já constituía-se num diferencial para mais e quando acontecia um acidente, uma agressão física com ferimentos à bala, arma branca ou qualquer atendimento que gerasse notícia, era a glória. As emissoras falavam ao vivo, direto do hospital, com direito a citações diversas do seu nome e até entrevistas.

A admissão daquele paciente desacordado por causas ignoradas e de identidade desconhecida foi suficiente para quem, como ele, já sonhava em concorrer às próximas eleições de sua cidade. Logo ligou para uma rádio para informar aquele acontecimento e solicitar o envio de um repórter. Nem bem havia iniciado o atendimento e já chegava o radialista que, microfone em punho, o entrevistava em pleno exercício do procedimento.

Toda região acompanhou. O locutor, coincidentemente o encarregado da parte esportiva da rádio, veio narrar o feito. Mais parecia a narração de um clássico de futebol tendo como competidores os times da vida e da morte. Cada medida que o doutor tomava e anunciava, como se fosse um comentarista especializado, era transmitida pelo narrador como se fora um ataque com perigo real de gol. A audiência da rádio explodiu, por todos os quadrantes da cidade se ouvia aquela narrativa sensacional, já se formavam torcidas, apostas já eram feitas, ninguém ficou indiferente àquela contenda, o pátio do hospital começava a lotar-se de curiosos que queriam acompanhar de perto aquela peleja e os vendedores ambulantes já compareciam atraídos pela multidão que se formava quando se ouviu pelo rádio a voz meio trôpega e desarticulada do paciente num tom meio choro, meio grito:

– Para que essa história toda? Eu tô é cheio de cachaça! Bem que Rosa bêba me avisou que aquela pinga era papuda!

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO

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