A Paixão de Cristo no Alto do Cabelão

LAMÉRCIO MACIEL

Em certa ocasião, instalou-se no bairro Alto do Cabelão, um circo de boa reputação. A tenda tinha considerável circunferência. Os artistas distinguiam-se por suas performances espetaculares. Os palhaços faziam a seleta plateia rir, às gargalhas. A programação noturna sempre culminava com a representação de uma peça, algumas românticas, outras trágicas, que normalmente faziam chorar o espectador mais emotivo.

Por ocasião da Semana Santa, resolveram encenar a Paixão de Cristo. O elenco compunha-se dos mesmos artistas que dividam trapézio e picadeiro, além de alguns moradores da cidade, especialmente convidados. Um rapaz de boa aparência fora indicado para fazer o papel de Jesus. O sujeito era “boa pinta”, usava barba bem cuidada e tinha os cabelos longos e cacheados. Mais ou menos umas trinta pessoas representariam o Cristo, Maria mãe de Jesus, Maria Madalena, Pôncio Pilatos, discípulos do Mestre, alguns fariseus e três ou quatros soldados romanos.

Durante os ensaios, a esposa do dono do circo apaixonou-se por “Jesus”, o intérprete. E ele, que não dava moleza, aproveitou a deixa. Às vésperas da encenação da peça, o proprietário do circo soube do repentino romance. Ficou furioso, mas controlou-se. Aguardaria melhor oportunidade. Um escândalo naquelas alturas prejudicaria o investimento. Depois de pensar bastante, encontrou a solução: iria participar da peça, fazendo o papel de um soldado romano.

No dia do espetáculo, a cidade inteira lotou as dependências do circo. A representação do sofrimento de Jesus tornava a plateia chorosa. As mulheres e alguns homens derramavam seus prantos silentemente. Jesus, o ator, sofria no corpo as fortíssimas chibatas desferidas pelo soldado romano que empunhava o chicote com a destreza que a vingança lhe proporcionava.

“Jesus” reclamou em voz baixa: – Oxente, cabra, tá machucando!

Para dar mais veracidade à cena, o soldado batia sem dó nem piedade. O lombo do infeliz ator já sangrava, quando, sem mais aguentar, sacou de uma peixeira de doze polegadas e partiu para o seu algoz, dizendo:  – Vou te ensinar como se defende na Paraíba!

O dono do circo corria desesperadamente, protegendo-se atrás de um e de outro ator, que a tudo assistiam sem nada entender. A plateia, antes chorosa e compadecida, presenciando o sofrimento de Jesus, o intérprete, gritava delirantemente:  – É isso aí, Jesus, fura ele!

Outros diziam:  – Aqui é a Paraíba, “bichim”. Não é Jerusalém, não!

E o espetáculo terminou antes da crucificação.

LAMÉRCIO MACIEL, CAJAZEIRENSE, É CONTADOR E AUDITOR APOSENTADO

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