Benjamin Abrahão: jornalista que registrou Lampião e seu bando também atuava em Cajazeiras

O assassinato do jornalista, escritor, ourives, fotógrafo, cineasta e aventureiro Benjamin Abrahão Botto até hoje é cercado de mistério. O homicídio ocorreu após a morte de seu “patrono”, o padre Cícero Romão, quando Benjamin Abrahão, de origem libanesa, passou a ser odiado ainda mais por pessoas poderosas da Paraíba, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte. Por ter localizado os esconderijos e o bando de Lampião, coiteiros “enrustidos” também podem ter financiado a sua morte.

Segundo conta o escritor Frederico Pernambucano de Mello, em seu livro ‘Entre Anjos e Cangaceiros’, Benjamin, munido de credencial de um jornal francês e de outra do Diário de Pernambuco, apresentou-se na Aba Filme, em Fortaleza, no dia 28 de dezembro de 1936, coincidentemente quando se comentava nas ruas porque Lampião ainda estava solto, mesmo fazendo aparições públicas, como a de Juazeiro, no interior do Ceará, ao lado de autoridades. Tudo registrado por Benjamin.

A “inveja” que Benjamin causou no seio da imprensa brasileira, segundo o escritor, já foi bastante para que “incompetentes e despeitados não se conformassem em levar aquele formidável ‘furo’”. Por isso a suspeita de que sua morte também pode ter sido encomendada por “influente repórter”, com o objetivo de agradar a Getúlio Vargas, o presidente da época, que jurou acabar com o cangaço. E a hipótese mais provável é que o assassinato de Benjamin também teve “um dedo indicador” no meio dos ex-coiteiros do cangaceiro famoso, “respeitáveis” autoridades coronelistas da aristocracia rural nordestina, naquele momento agora afastados de Lampião por causa das ações anticangaço de Getúlio.

O despeito da imprensa brasileira em relação aos feitos jornalísticos de Benjamin explodiu logo na carta enviada ao jornal O Povo, por João Jacques, um “jornalista almofadinha”, especializado em artigos políticos. Ele contestava a “liberdade” de Lampião. Ao conseguir fotografar, entrevistar e filmar Lampião e seu bando, posando orgulhosos para as imagens, “Benjamin pisou na mina que todo jornalista brasileiro sonhava explodir” e, assim, levar uma prova convincente para os jornais e cinemas, que, ali, realmente estavam estreando nas manchetes Maria Bonita e Lampião.

Benjamin Abrahão associava as atividades de jornalista e de proprietário de dois jornais na região do Cariri cearense às de comerciante e caixeiro viajante na praça comercial de Cajazeiras, no Sertão paraibano, onde mantinha uma mulher e filho. Também era insuspeito tesoureiro da Paróquia de Juazeiro, além de dono de um armazém, em Crato, o qual abastecia com mercadorias adquiridas em Fortaleza e Campina Grande, onde comercializava suas quinquilharias anunciadas como milagrosas. Ele também provocou ciúmes em Floro Bartolomeu , braço direito de Padre Cícero, que alertava o sacerdote sobre o mau procedimento do libanês com o tesouro da paróquia. O velho não dava ouvidos.

Repúdio da imprensa cresce depois do “furo” jornalístico

O ódio da imprensa brasileira contra Benjamin cresceu ainda mais quando, em 29 de dezembro de 1936, foi publicada na primeira página do jornal O Povo a matéria intitulada ‘Sensacional vitória da Aba Film: uma das mais importantes reportagens fotográficas dos últimos tempos!’. Uma grade de textos e fotos mostrava, pioneiramente para o mundo, Lampião, sua mulher e seus sequazes filmados e fotografados em pleno Sertão.

A assinatura de Benjamin nessa reportagem foi contestada. Houve quem duvidasse da credencial de jornalista obtida na França, sempre exibida pelo libanês, com certa restrição. Os destaques: num box reticulado constava a foto de Benjamin, Lampião e Maria Bonita, com sua “guarda pessoal”, e os cachorros Ligeiro e Guarani. A tiragem do jornal esgotou rapidamente.

Em 16 de janeiro de 1937 foi publicada uma fotografia, no Diário de Pernambuco, onde Benjamin aparecia com todo o bando de lampião. Dias antes, o Diário da Noite, havia publicado uma notícia sobre o encontro de Benjamin com Lampião, em 8 de janeiro de 1938. Benjamin revelou que havia trazido, também, além de imagens, a primeira entrevista escrita e assinada pelo bandido mais procurado do Brasil. Sete meses e 20 dias depois (em 28 de julho de 1938), Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros foram mortos em Angicos, no estado de Sergipe.

Os militares, insatisfeitos com a “incompetência das volantes”, se enciumaram de Benjamin. Segundo o comerciante Farid Aon, Benjamin foi ao quartel da 7ª Região Militar, em Recife, para tentar obter uma licença do comandante para exibir o filme sobre Lampião em cinemas públicos. A oficialidade exigiu o exame da fita e, ao assistir à projeção, achou que “o documentário era vergonhoso para o Brasil”. O general ficou irritado e arrebentou o filme e o projetor. Benjamin foi maltratado e detido por uma semana.

As fotografias dos cangaceiros em poses que denotavam orgulho e segurança irritaram o presidente Getúlio Vargas, fato que impulsionou o definitivo esforço de repressão que exterminaria os bandoleiros do Sertão. Além disso, o documentário sobre Lampião foi apreendido. “Não poderá ser exibido o filme de Lampião”.

Com essa manchete na primeira página do jornal O Povo, de 3 de abril de 1937, ilustrada com uma fotografia de Benjamin ladeando Lampião e Maria Bonita, era informado que o filme sobre o cangaceiro fora apreendido por ordem de Lourival Fontes, então diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda no governo de Getúlio Vargas.

Benjamin, desempregado e desmoralizado, voltou para seus parentes, os Elihimas, prósperos comerciantes de tecidos e miudezas em Recife, com representação em João Pessoa. Hospedado na capital pernambucana na casa de dona Wadia Elihimas, Benjamin viu nos jornais o anúncio da vaquejada anual de Surubim, interior do estado. Era uma boa oportunidade de trabalho.

Uma das vaquejadas mais tradicionais acontecia na Fazenda Barra Formosa, no Pau Ferro de Águas Belas. Benjamin foi para lá a tempo de se engajar nos preparativos da festa, que aconteceria em novembro. A fazenda era do coronel Audálio Tenório de Albuquerque, amigo de Lampião. O coronel Audálio deixou Benjamin explorar a jogatina do evento e instalar tendas de bebidas e aperitivos.

Chegou de Fortaleza para Benjamin um carregamento da Aba Film, vindo com centenas de fotografias em diferentes tamanhos, havendo predominância do formato de cartão-postal.

Eram fotos de cangaceiros dos grupos de Lampião. Benjamin Começaria, então, a distribuir seu produto, barato e muitíssimo vendável pelas feiras livres e no comércio fixo de Pernambuco. Começaria, assim, a tentar recuperar parte do prejuízo causado pela apreensão do filme que repercutiu sobre o patrimônio da Aba Film e da Benjamin & Cia., do Juazeiro.

As fotografias foram espalhadas por todo o Sertão. O major Lucena Maranhão, comandante da unidade sertaneja da Polícia de Alagoas, homem temido em todo o Nordeste e perseguidor ferrenho de Lampião, mandou recolher as imagens. Benjamin, então, ateou fogo nas fotografias. Benjamin foi a Recife obter do Diário de Pernambuco uma credencial extra, contando que estava em Pau Ferro como colaborador. O jornal atendeu a seu pedido, o que o livrou de incômodos com a polícia.

Depois de escapar de ser preso por ferir a bala o deputado federal Floro Bartolomeu e de organizar um esquema de compra de vendas de votos em cidades da fronteira do Ceará com a Paraíba, Benjamin foi morto “misteriosamente” na madrugada de 7 de maio de 1938, em Pau Ferro (atual Itaíba, Pernambuco).

COM INFORMAÇÕES DO JORNAL A UNIÃO

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