Um, dois, três e… já!

…E vou correndo em direções inventadas. Para acionar um crescimento saudável, nada como voltar alguns anos. Ser criança, às vezes, é o remédio mais eficaz para o medo de não continuar.

Não quero saber quantos anos vou voltar. O importante é adiantar depois, com firmeza, com o riso de quem está vivo. Com as mãos na fantasia, desmando no tempo, faço as regras, provoco os sinais. 

Não me acanho em brincar, em criar armadilhas para as minhas próprias perseguições. A língua do pê é oficializada na brincadeira, depois de uma assembléia de duendes ou de girafas que voam. Nas calçadas, não é tão complicado imaginar que uma linha móvel me separa de um abismo, repleto de serpentes. Agradecer às árvores não custa tanto. Ontem mesmo, conversei com um flamboyant e ele me revelou o processo de queda da folhagem.

Como ser criança é útil para o universo. Vou me enchendo de metrópoles, de riachos, de possibilidades. A infância é isso mesmo: estar atento ao sublime. Finjo, com uma alegria de carne e osso, que a chuva muda de cor, que tal hora viajo para Mercúrio, numa nave que ficou estacionada em qualquer praça flutuante. Eu me ganho, cada vez que as palavras são mais sonoras, porque há um dispositivo, algo biônico ou mágico, nas minhas orelhas. O melhor que faço é não me atrasar, mantendo um elo secreto com o relógio de quem estiver me esperando.

Imaginar algumas pipas no céu, é simples como atender a uma ligação telefônica do centro da Terra. O fundo do mar também participa, nas vezes em que eu quero escrever em silêncio, como agora, que estou diante de uma ostra, vigilante de uma cidade habitada somente por girassóis.

É bom ser bailarina, ser elefante, ser cometa, quando o dia mal começa. Nesse caso, também sou bruxa, sou uma selva, sou um circo inteiro. Converso com o birô, com o tapete, com a janela, e o ar se enche de qualquer canção, qualquer uma que me deixe nadando em franqueza.

Eu mesma me denomino: quero ser montanha, quero estar nuvem, quero me chamar de andorinha. Às vezes, quero ser relâmpago, para me assustar. Ganho aliados. O vaga-lume, então, é meu amigo e me fala, a cada apagar de luzes, sobre a sua química verde.

Quando sou criança, cresço mil vezes. Minha mente ganha uma rigidez compreensível, mas, em seguida, completa uma volta ao mundo. Quando quero ser criança, somo as virtudes que foram sopradas por um vento com jeito de divindade. Recebo os jardins, tento alcançar a pureza, abro todos os braços para a prudência.

Há sempre um trem, um submarino ou um balão à minha espera. Toda a água que bebo, é porção das vontades e funciona como uma espécie de varinha de condão ou como o gênio da lâmpada: tudo junto. A minha maneira de acreditar se fortifica quando sou mirim, curumim, querubim.

Eu me transformo em criança para tentar descobrir a linguagem adulta, tão essencialmente plástica e cravada de obrigações. Em certos momentos, só consigo enxergar a minha auréola de compromissos, de matérias, de entrevistas, de visitas, da estante para organizar. O trabalho necessário da maturidade fere aos pouquinhos.

O mais rentável, por outro lado, é sentir a invasão da infância quando se passa da fase. É bom que a criançagem aconteça uma vez por dia, no poço de uma catarse. No resto, sei que preciso estar mais adulta, voltar à superfície, repartir a razão, sonhar calada.

Ser criança é vital para crescer mais um centímetro no espírito. Para, todas as noites, observar as estrelas: somente as que gostam de ser devidamente contadas e devolvidas.

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