Séculos e séculos

Peço bença. Peço a Mãinha. Peço a tios e tias, padrinhos e madrinhas, líderes religiosos do bem e pessoas queridas com mais de setenta anos de idade. Pronto. Digo bença, bença mesmo, assim como no nosso falar.

Peço bença de verdade, pois preciso. A bênção, benção ou bença é uma espécie de manifestação carinhosa, todos sabem, mas com uma mensagem espiritual. O abençoado recebe um turbilhão de energia e parece que está guarnecido, de alguma forma. Fica com a sensação de que pode atravessar a rua sem medo, comer de tudo, não ficar resfriado.

Quem abençoa promove em si uma responsabilidade. É porta-voz de um consentimento divino. Responde: que Deus te abençoe. Também pode responder: que te faça feliz, que te dê saúde ou que te dê boa sorte. O abençoador parece que ganhou uma chave, um botão, um dispositivo, uma manivela, uma alavanca, uma vara de condão, algo que determina uma conexão imediata com o sagrado.

Minha dúvida é se a resposta obedece mesmo a esse contato. Se o portador está mesmo fazendo por onde abençoar. Se acha que é apto a essa nobre tarefa. Se acha que pode melhorar. Se acha que é um representante do poder universal, com um crachá que vale para a eternidade. Sabe aquela credencial que passaria tranquilamente no portão do clube? Pois é. Parecido, mas invisível.

Peço bença de qualidade. Bença que vem lá do recôncavo do sentimento, das entranhas da voz da intimidade, daquele compartimento único, do mais belo e puro frescor da natureza da pessoa, do escondido, da gruta ainda inexplorada pelo próprio dono. Peço essa bença aí. Peço porque acho bom e doce.

Quero ser abençoada, achando que mereço, achando que posso. Já estou me achando. Minha outra dúvida é: se achando que mereço, achando que posso, eu mereço mesmo. Se dizendo que posso, eu mereço. Se duvidando do abençoador, pedindo com certa obrigação, devo pedir. Minha cabeça pipoca de incertezas agora.

Marina e Camila são minhas sobrinhas. Pablo, Jéssica, Cadu, Philipe e Helena são meus afilhados. Se qualquer um deles não me pedir, eu me sinto na obrigação de abençoar, de reconhecer o lugar que recebi ou conquistei. Meu Tio Quirino é especialista nisso. Mais rápido do que um corisco: na maioria das vezes, antes do pedido, abençoa logo.

Meu amado primo Dorgival Júnior, que há dois anos mora num planeta distante, dizia, ao encontrar tias e tios reunidos: “Uma bença para todos…” Eu até tentei copiar essa ideia, mas comigo não funcionou. Gosto do contato com o abençoador. Gosto do contato particular, já que a resposta também possui essa característica. Elegi, então, esse tipo de abordagem. Minha bença pede beijinho ou abraço. Pede para que meu escudo protetor me livre de tosse seca, dor de barriga, cartão bloqueado, pereba, acidente, insônia, unha encravada, assalto, micose, reumatismo, inveja, ciúme, orgulho, cólica menstrual, celular clonado, engasgo, melancolia, email invadido e voto errado.

Não sei se posso, se devo, se mereço. Sei que quero que você se sinta abençoado neste momento. Fique certo de que não é algo como leite em pó, solúvel em água, maquiador de sonho. É verdadeiro. É para se perpetuar pelo tempo necessário e condizente com o nosso diálogo. A duração é proporcional à palavra ao longo da História: por séculos e séculos. Séculos e séculos. Séculos e séculos. Amém.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
CLIQUE E LEIA

Recompensas

Quando a desesperança passar ao teu lado, e fizer com que teus olhos não resistam a um simples…
Total
0
Share