Preciso de anjos

É preciso transparecer. Reluzir é também, antes de mais nada, ser leal e honesto com as coisas do tempo. E as situações percebem quando se é transparente, pois elas mesmas tornam-se transparentes. São benevolências que praticam honestidades e se transparecem. E são. Por isso mesmo e por todas as atitudes transparentes, há pessoas que são verdadeiros anjos: exalam luz, confortam-se com as suas claridades reais, são orvalhadas e, gota a gota, enchem-se de uma bondade ulterior, cheia de água limpa.

Pessoas anjificadas são as que são honestas com um mundo delas, que se abre só para elas, mas que revigora os outros mundos perpendiculares. Eu queria conhecer pessoas-anjos: veria uma plenitude talvez disfarçada de gente e fragmentada de laços humanos, mas plenitude. Anjos são plenitude. Eu queria ser anjo: transparecer na melhor medida das coisas, na maior medida da beleza, da compreensão do que não é palpável, aceitável facilmente. Por que não ser anjo? Teria que comer muito arroz com feijão, ternura e acalanto?

Não me proíbam de achar. Quero achar. Acho que ser anjo é difícil apenas por existir. Acho que, só para começar, é difícil existir-se como anjo, e viver como tal é algo mais do que virtude. E tudo desemboca na própria virtude de ser anjo. Sabe brincar com fantasia e explicá-la? Qualquer tentativa recai na própria fantasia e acaba sendo mais um ato fantasioso.

Preciso de anjos. Que entrem pela minha porta, pela minha cabeça, pelo meu delírio, pelo meu texto, pelas minhas desculpas. Preciso. Aliás, quero ser. Mas não quero ser vendida em revistas, com o meu número e dia de sorte. Não quero ser pré-moldada e nem quero pré-moldados perto de mim. Quero anjos de primeira, mas no sentido humano, aqueles que se alimentam de gratitude, de uma eternidade virginal. Bebem pureza. É possível um anjo celestial na Terra? Seria um compartilhamento de luz. Com isso, eu poderia estar e ficar transparente, pelo menos (inicialmente). Eu me veria repleta de espelhos bons e saudáveis.

O problema está aí. Anjos e pessoas-anjos, anjas, não batem à porta, não dizem alô, não esbarram em nós espontaneamente. O amém delas é silencioso e só se pode decifrá-lo quando se permite um mínimo de delicadeza. Talvez essa delicadeza faça parte de ser anjo e do mundo anjo. Podem florescer elementos e palavras que sirvam para nos alertar que a nossa coragem depende de tudo isso.

Salvar-se é também silenciar quando necessário, tornar-se um anjo sem ser preciso morrer fisicamente. É preciso estar vivendo para ser um. E talvez seja possível ser diáfano no comer, no dormir, no trabalhar, no lembrar. Abrindo a boca sem dizer, falando sem falar, amando sem divulgar. Sendo anjo e pronto. Não sei se é simples.

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