O ano era 1922, na tarde ensolarada do dia 15 novembro, os cajazeirenses comemoravam exultantes, a chegada do trem na cidade, mesmo depois de ter ficado de fora do traçado original da Rede de Viação Cearense (RVC). A rota original, partindo de Lavras da Mangabeira (CE), previa contemplar Cajazeiras seguindo para Sousa, Pombal e Patos, mas foi alterada deliberadamente para atender e beneficiar diretamente a cidade de Antenor Navarro, hoje São João do Rio do Peixe, terra natal do então deputado estadual padre Joaquim Cirilo de Sá.
Os cajazeirenses não tinham muito a comemorar naquele dia, pois, na verdade, tratava-se apenas da inauguração de um ramal ferroviário, no fundo, aquilo era mero cala boca para a cidade e uma tremenda passada de pano do presidente Epitácio Pessoa no imobilismo e falta de prestígio dos líderes políticos da época, os coronéis Sabino Rolim, Joaquim Matos e Juvêncio Carneiro que, depois de sofrerem uma humilhante rasteira do Padre Sá, tiveram que correr atrás do prejuízo.
Ingerências politicas para alterar traçados de ferrovias e rodovias eram práticas recorrentes na época. Padre Cicero priorizou Juazeiro do Norte no traçado principal da ferrovia deixando a cidade de Barbalha assistida com um simples ramal. Idêntico caso aconteceu com Iguatu quando o poderoso líder político e intendente do município, coronel Belizário Cícero Alexandrino, desrespeitando critérios de viabilidade técnica e econômica conseguiu alterar a rota original da ferrovia Baturité-Icó para Baturité-Iguatu, uma intervenção ousada e determinante que catapultou aquela cidade a assumir a hegemonia econômica na região do centro-sul cearense.
Esses e outros fatos semelhantes mostrando os impactos socioeconômicos da implantação de ferrovias no Nordeste são narrados com precisão e riquezas de detalhes no livro, Ferrovias do Ceará de autoria do empresário e professor universitário Rubismar Marques Galvão que pela sua importância tornou-se uma referência e uma fonte segura, para pesquisadores, estudantes e apaixonados pela história das ferrovias no Brasil.
Mesmo assistida com um simples ramal ferroviário, Cajazeiras comemorava com orgulho a sua inclusão na malha ferroviária nordestina vislumbrando que ali estava o passaporte rumo à hegemonia econômica no Alto Sertão da Paraíba. Ledo engano. Depois de 42 anos em operação, o ramal ferroviário São João do Rio Peixe-Cajazeiras foi sumariamente extinto numa canetada do Governo Militar em 4 de junho de 1964 sob alegação de operação deficitária. A partir deste malogrado fato, a cidade passaria a conviver uma máxima perversa que nos ronda até os dias de hoje: Cajazeiras a cidade do “já teve”.
A reação veio rápida com um manifesto de protesto articulado pelo historiador cajazeirense Otacílio Cartaxo e o vereador Abdiel Rolim. Cartaxo propunha além de reativar o ramal, implantar o trecho de Cajazeiras ao entroncamento ferroviário de Serra Talhada (PE), mas os altos custos para implantação desse novo trecho serviu de pretexto para também sepultar a reativação do ramal. Otacílio pode ter sido estratégico, mas não foi tático, esse foi o seu grande erro.
Hoje, há exatos sessenta anos de isolamento ferroviário, estamos inertes diante de uma oportunidade única de nos reintegramos na nova malha ferroviária em implantação no Nordeste: a ferrovia Transnordestina. Um mega projeto com 1.750 km de trilhos interligando o Piauí aos portos de Suape (PE) e Pecém (CE). O Rio Grande do Norte saiu na frente ao anunciar estudos à reativação do antigo trecho ferroviário Mossoró (RN)-Sousa (PB) interligando com a Transnordestina no entroncamento de Missão Velha (CE).
E a Paraíba? Desconheço qualquer projeto ferroviário consistente para interligação com a Transnordestina. Não vejo saída, a Paraíba continua condenada a permanecer literalmente fora dos trilhos.