Pandemia, sonho, dor, morte e saudade

A pandemia desmancha sonhos, mata e traz saudade. No começo, nem sequer parecia incomodar nossas rotinas. Passa logo, a gente dizia. Que engano! O vírus chegou de mansinho. Encosta mas vai embora. Não resiste ao calor do Nordeste. O sol mata, ora se mata… não vai aguentar muito tempo. E o vento? Vai carregar o peste para os seiscentos quintos do inferno!

No começo era assim. As notícias ruins vinham de muito longe. Da China. Lá ele nasceu. Aí, a imaginação deu asas ao delírio ideológico. Um ministro de Bolsonaro, amoldado a crenças exóticas, aproveitou-se para agradar ao guru “filósofo”, e aplicou um genial “coronachinus”…

Hoje, nem o “gênio” é mais ministro e o Brasil recorre à China para ter vacina. O sonho daquele ministro, com nome de personagem de famoso samba paulistano, foi “convidado” a sair. Assim, desfez-se um sonho, sem dor. A essa altura deve ter arranjado uma compensação, tal qual seu colega que ameaçou prender “os vagabundos que estão aqui do lado”.

Pior, muito pior do que sonhos desfeitos é a dor da morte. Primeiro, a morte lá nas lonjuras, chegada em terríveis imagens de caixões de defunto transportados em caminhões a percorrer ruas e estradas da Itália. O leitor está lembrado? Essas imagens se associam a outras, com vozes e choro do prefeito de Milão, que, semanas antes, instigara seus munícipes a irem para as ruas, enfrentar o vírus com cerveja, pão e vinho. E muita alegria. Não demorou, arrependido, pediu mil perdões e até chorou. O desfile sinistro dos mortos não o perdoará. Nunca.

Depois, a morte se chegou para perto, bem perto da gente. Aqui no Brasil, na Paraíba, em Cajazeiras, no nosso bairro, na nossa rua, em nossa família. Em nossa casa. A morte já não era um número. Um dado estatístico, em gráfico na televisão. A morte tinha carne e osso e voz e alma. Individualizada. Mas não só isso.

A morte veio na companhia de outra dor, igualmente intensa: a fome. A fome exposta nas filas de homens e mulheres, em todas as partes do Brasil, à espera de uma ajuda em forma de feição, arroz, farinha, macarrão, frutas, leite, pão, açúcar…

Morte coletiva. Fome coletiva. Aí bateu uma saudade. Saudade até de bravata, que seja, daquele nordestino que bradava: “pobre tem o direito de comer três vezes por dia”. A dor da fome, irmã da dor da morte, aviva a saudade. 

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