Outro São João

O vento tremula o cordel de bandeirinhas coloridas antecipando as festas juninas que, desafiando a permanência da pandemia, aglomeram e ajuntam centenas de milhares de pessoas em arraiás improvisados em praças, ruas, parques.

O espocar de fogos de artifício anunciam que o trio dos santos celebrados carece ser acordado para que, nas comemorações de danças, quadrilhas, pavilhões, cuidem das atribuições que lhes são conferidas pela tradição popular. Algumas celebrantes ainda aguardam a dádiva do casamento. Outros, espiando o rosto na bacia, reservam ao santo o cuidado de preserva-lo vivo até o ano vindouro.

As estrovengas eletrônicas manifestas em celulares e outros apetrechos espalham os ritmos musicais que serão sucesso no período. As reconfigurações que marcam e caracterizam o fazer histórico e cultural explicitam composições, harmonias, letras e sons que trazem a marca do urbano e da lucrativa “indústria cultural e da comunicação de massa”. Travestidos da embalagem de “autêntico forró pé de serra” nada mais são que produtos comerciais vendidos ao preço de mercado e enfaticamente anunciadas nos mais diversos meios de comunicação e de publicidade. E todos se embalam ao som uniforme e estéril, porque produzido em série, das canções que, divorciadas da história e das raízes que produziram as festas juninas, apenas e tão somente trazem como peça de criatividade “a vontade de tacar meu celular na parede”.

Seguindo a trilha de que a cultura nada mais é que a expressão do homem e de sua relação com a natureza, com o meio e com os outros homens, na produção da existência e da sobrevivência, compreende-se as mudanças que estão afetando as festividades juninas, e continuarão mudando ao sabor da dinâmica da vida social.

Hoje, é o urbano o espaço das festas e celebrações juninas. O agradecimento comemorativo da colheita dos produtos agrícolas típicos da época perde espaço para a produção industrial que te oferece, na gôndola do supermercado, o pacote de massa pré cozida para a produção da canjica. Pequenas oficinas se especializam na produção de pamonhas e bolo de milho. Quem tem dinheiro, consome. Aos carentes, apenas os circos dos arraiás montados pelo poder público para saciar barrigas e descontentamentos políticos.

E como as festas juninas estão traduzidas hoje em eventos eminentemente urbanos também ela perde sentido nas fogueiras e no espocar de fogos, traques e bombas. A fumaça, o barulho estridente e perturbador, que se superdimensiona pelo aglomerado de casas e ruas, estão se constituindo em situação de agravamento para doentes, autistas, idosos, animais domésticos, como cães e gatos.

Vamos pensar então que, a nova fogueira de São João pode iluminar nossas lembranças com artefatos de lâmpadas e similares e que a tecnologia já oferece os espetáculos da queima de fogos sem o estampido do barulho da explosão.

Ora, se posso celebrar o São João ao som de “Hoje a coisa fica séria/ Vai ser tchuco-tchuco nela/ Tchuco-tchuco nela/ Vem jogando a raba/ Vou fazer tremer as pernas”, fogueiras e fogos são desnecessários.

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