O perigo do autoengano coletivo

O ser humano tem uma tendência a se iludir, às vezes de forma voluntária. Não se constrange em mentir para si mesmo. Resiste a encarar realidades que desagradam, ignorando evidências incontestáveis e escolhendo aquilo que faz mais sentido com a sua visão de mundo e de desejo.

As sementes ditatoriais germinam com mais facilidade quando o autoengano político se verifica como uma doença coletiva, na aceitação de convicções defendidas como se fossem verdades absolutas. O envolvimento apaixonado por uma causa dificulta ao indivíduo mudar de opinião, mesmo diante de argumentos irrefutáveis. Percebe-se uma forte crença em ideias concebidas, ainda que se veja diante de inquestionáveis razões contrárias.

Normalmente, são pessoas que possuem uma parcialidade moral explícita, considerando que aos outros sejam exigidos deveres éticos, que, na prática, não respeitam por seu próprio comportamento. É o que podemos chamar de hipocrisia social. São individualistas e egocêntricos. Tanto faz que sejam de extrema direita ou de extrema esquerda, os adeptos dos regimes totalitários desprezam as conquistas civilizatórias que garantem os direitos fundamentais de todos – os iguais e os diferentes. Não suportam o debate democrático. Portanto, teimam em não querer diferenciar a verdade racional da verdade factual.

O uso da mentira resulta em engano ou autoengano e produz discursos de ódio, violência e intolerância mo espaço público. Hannah Arendt fala da “banalidade do mal” na aplicação da mentira política, decorrente da ausência de pensamento e de reflexão. Segundo ela, ”o mentiroso torna-se vítima de suas mentiras”. É o caso de se perguntar: o autoengano é uma opção conveniente pela mentira? Kant já dizia: “uma mentira não só viola o direito individual dos cidadãos, mas prejudica a relação entre as pessoas de uma maneira generalizada, corrompendo e descaracterizando os acordos entre os pares”. O autoengano é uma ocorrência humana diária que pode levar a desastres particulares e sociais. O antropólogo Robert Trivers define o autoengano, como “a capacidade da mente consciente humana interpretar de forma deficiente a realidade para negá-la, e, a partir daí, projetar uma realidade mais desejável”.

No Brasil contemporâneo é importante refletirmos sobre isso, para que não voltemos a correr riscos de enfrentar movimentos que objetivem ruptura democrática, como aconteceu recentemente.

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