O fim do cangaço

A madrugada do dia 28 de julho de 1938 foi interrompida por gritos, tiros e correria. O bando de Lampião foi cercado na Fazenda Angicos, no sertão de Sergipe, por uma tropa de 48 policiais de Alagoas, comandada pelo tenente João Bezerra. Lampião, sua companheira de amor e cangaço, Maria Bonita, e mais nove cangaceiros tiveram suas vidas brutalmente ceifadas. Chegava ao fim o reinado de Virgulino Ferreira da Silva, o célebre cangaceiro que durante duas décadas marcou a história do sertão nordestino com atos de ousadia e violência. Todos os mortos tiveram suas cabeças cortadas. Maria Bonita foi degolada viva.

Os jornais do Brasil e do mundo estamparam, no dia seguinte, diversas manchetes dando conta e comemorando a morte dos bandidos, imagens feitas pelos fotógrafos do interior mostravam cabeças decepadas, máquinas de costura e equipamentos dos cangaceiros que escaparam dos saques empreendidos na hora do confronto final entre os meninos volantes e os “cabras” de Lampião.

Esse episódio não pôs fim apenas a Lampião e seu bando, mas marcou os últimos momentos do cangaço, fenômeno político e social que atormentou os sertões de sete estados nordestinos e foi durante muito tempo preocupação constante de governos e articulistas de jornais que davam combate ao cangaço através das suas tipografias e das volantes, com armas de fogo e muitas vezes sede de vingança e de justiça.

As secas mortais de 1877-1878 deram força a esse movimento, que alcançou seu clímax na década de 1920, integrado por sertanejos pobres fugindo da exploração e da fome, forçados a optarem por essa prática marginal e criminosa, alimentados por um espírito de vingança contra os latifundiários e o governo. Lampião foi o mais bem sucedido líder do cangaço nordestino. Dizem que recebeu esse apelido por sua capacidade de atirar seguidamente, clareando a noite com seus tiros.

Recebia a proteção de coiteiros: fazendeiros, pequenos sitiantes e até autoridades locais, dos quais, ele e seu bando, recebiam abrigo e alimentos, facilitando o deslocamento pelos estados nordestinos e a fuga das perseguições policiais. Em 1926 recebeu a patente de Capitão da Guarda Nacional, ao ser cooptado pelo Governo do Ceará para enfrentar e derrotar os homens da Coluna Prestes que avançava em direção ao Juazeiro do Norte, terra do Padre Cícero.

Com a instalação do Estado Novo, foi ordenado aos governadores do Nordeste que parassem de fazer vista grossa e aniquilassem o rei do cangaço. Ordem cumprida. O bando foi pego totalmente desprevenido sem chance de se defender dos tiros das metralhadoras disparados durante cerca de vinte minutos. Lampião foi um dos primeiros a morrer. E em seguida, Maria Bonita. Os corpos mutilados foram deixados a céu aberto, atraindo urubus e suas cabeças salgadas e colocadas em latas de querosene contendo aguardente e cal. Levadas para Salvador, Bahia, permaneceram primeiro na Faculdade de Odontologia da UFBA, e depois no Museu Antropológico localizado no prédio do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, em Salvador. Um espetáculo mórbido e macabro.

Ainda hoje persistem muitas divergências como são considerados os cangaceiros. Há os que os vêem como justiceiros, praticando a justiça com as próprias mãos, em razão da desigualdade social e a ineficiência do Estado para melhorar suas vidas. Por outro lado, alguns historiadores os enxergam como grupos de bandidos, que atuavam no Nordeste defendendo seus interesses pessoais, usando de muita violência, praticando roubos dos quais se apoderavam, ou, às vezes, distribuíam com pessoas carentes com o intuito de ganhar apoio popular,

Em algumas cidades do Nordeste, existem memoriais da resistência, museus que conservam a memória da luta local contra a invasão de grupos cangaceiros. O cangaço se tornou um grande tema no imaginário nordestino e brasileiro, assunto da literatura de cordel, de peças teatrais, filmes, músicas e artes plásticas.

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