O casarão da esquina

Todos os dias, no caminho da Escola Nossa Senhora do Carmo eu passava por lá. Era um casarão antigo, descascado pelo tempo. Ali, passado, presente e futuro pareciam se misturar, junto com as minhas idéias sobre fantasmas e outras criaturas ainda inexplicáveis.

Uma menina que morava na casa estudava na mesma escola. Na hora do recreio, lá estava ela: sempre sozinha, exibindo uma cicatriz no lábio inferior e um olhar esverdeado e distante. Eu tinha certeza que ela era vítima do mal-assombro, coitada.

A casa ficava recuada. Tinha um caminho de pedras cinzas, do portão até o alpendre. O jardim era imenso, mas triste: cheio de flores apáticas e passarinhos mudos e cansados. Por dentro era tudo descolorido e escuro; por fora, uma tinta cor-de-rosa desbotada competia com o ferrugem das grades.

Uma vez, flagrei uma senhora, com um lenço na cabeça, entrando com um cesto de palha. Pensei: deve ser alimento para os fantasmas ou um deles que se transformou em gente para ir ao supermercado.

Ao crescer, descobri que tudo só conseguia existir na minha cabeça. As amarras do progresso destruíram uma fantasia, cercada de medo. Hoje, o Banco do Nordeste ocupa o lugar do casarão que, um dia, abasteceu a minha imaginação.

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"Esquecer mágoas, tratar cicatrizes que se ferem, isto se chama perdão."
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