Ninguém torce contra

É muito comum ouvirmos das pessoas vitimadas pela cegueira seletiva, em razão do fanatismo que domina a consciência, afirmações como: “pára de torcer contra” ou “você alimenta o pessimismo”, na tentativa de desconsiderar críticas que se fazem necessárias. Negam-se a encarar a realidade como ela se mostra. Recusam enxergar o óbvio. Assistem passivamente a iminência da catástrofe, movidas pela paixão política. “Morramos todos abraçados” é o que parece querer dizerem.

A ausência do governo central do país no combate à pandemia, quando já alcançamos a trágica marca de mais de duzentas e cinquenta mortes, causa um incômodo de desesperança de que poderemos encontrar o caminho certo na gestão pública. É desalentador.

Torcer contra si mesmo seria, no mínimo, um ato de irresponsabilidade. Todo mundo deseja ver acertos, conquistas, avanços, que nos ofereçam a esperança de um futuro melhor. Infelizmente não é isso que estamos observando. O pior é que está cada vez mais difícil visualizar luz no final do túnel. A crítica tem o sentido de um “acordar coletivo” para evitar o caminhar para o retrocesso que está se evidenciando. É dever patriótico apontar os erros, as omissões, as trapalhadas, que produzem o caos social e político.

A torcida é pelo Brasil, sem nos curvarmos, com reverências exaltadas, a personalidades que se tornam “mitos” ou “pretensos heróis” na imaginação construída pelo entusiasmo político-partidário ou ideológico. É de uma insensatez inaceitável não admitir que seus líderes cometam desacertos, equívocos, falhas. Mais grave ainda é vê-los resistindo a fazerem autocríticas de seus procedimentos. Teimam em considerar que não existe inteligência no campo adversário. Quem se posiciona contra não é tratado como adversário, mas sim como inimigo.

O problema é que já passou o tempo que se poderia esperar para acreditar no “ainda pode dar certo”. Nada acontece que nos leve a esse pensamento otimista. O amor pátrio acende a chama da resistência, na luta para que não continuemos marchando para o abismo. Isso não é torcer contra. É exercício de cidadania. Não estamos numa arquibancada de estádio com divisão de espaços para torcidas. Vestimos todos a mesma camisa verde-amarela. Sabemos que alguns vestem a camisa sem compromisso com os interesses nacionais. E são esses que se irritam com as críticas. E classificam como “inimigos da pátria” os que pensam diferente deles.

O fato verdadeiro é que inexiste pauta de debates que identifique os problemas e busque soluções. Governar não é missão para amadores, despreparados, incompetentes, deslumbrados com o poder. Como também não é atribuição similar à de um chefe de torcida organizada. É assumir responsabilidades e ter a noção exata de que deve tratar seus governados sem distinção. Nem usar o posto de comando político para benefício próprio ou de grupos a que pertença.

Aliás, na política não precisamos de torcida. Necessitamos de competência administrativa, aptidão para comandar um barco em meio a tormentas, compromisso com a democracia e obediência à Constituição. Queremos um Brasil com desenvolvimento apoiado no social. Um país que se desprenda das amarras definidas pelas elites econômicas. Uma nação que respeite os direitos humanos. O Estado não existe para beneficiar alguns, mas para estabelecer condições de vida digna para todos indiscriminadamente. O mandatário representa a totalidade do povo e não apenas os que nele votaram. Exigir condutas que se alinhem ao que possa ser melhor para o país, não é “torcer contra”.

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