Meus encontros com Ica…

UBIRATAN DI ASSIS

Eu diria, logo de cara, às “mentes pervertidas”, indagando: “Encontros?!…” E eu responderia que, atendendo ao pedido do meu querido amigo-irmão Alarico Correia Neto, falaria de “meus encontros” com Ica Pires, neste especial do Correio das Artes. Encontros sim, construídos de respeito e muita admiração, que começaram quando a conheci, na minha adolescência, quando ela organizava, junto com Dona Biva Maia, os famosos “São João das Crianças (e adolescentes) no Cajazeiras Tênis Clube”, nos idos de 64 a 68.

Nos anos 60, Íracles Pires, esposa de Dr. Waldemar, já com os filhos Jeanne e Pepé, de minha mesma geração, era uma verdadeira animadora cultural da Terra do Padre Rolim. Ela organizava festas juninas, festas de debutantes, festas comemorativas do calendário social de Cajazeiras Tênis Clube e, para completar, com a saída do Dr. Hildebrando Assis, diretor do Teatro Amador de Cajazeiras (TAC), nos anos 60, que passava a residir em João Pessoa, para cumprir o mandato de deputado estadual, assumira a direção do grupo, que viria a produzir vários espetáculos teatrais de primeiríssima qualidade, colocando Cajazeiras em destaque no movimento cultural paraibano. É bom registrar a importância de Biva Maia, porque, juntas, ela e Ica agitaram a vida social e cultural nas décadas de 60 e 70.

Um segundo encontro foi assistir no próprio Tênis Clube (Cajazeiras não tinha teatro) ao meu primeiro espetáculo teatral. Eu fiquei impressionado com a montagem que Íracles fez, com o TAC, do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, nos anos 60. Tenho certeza que aquilo foi o que me levou, ou melhor, me apressou a fazer teatro. Nesta época, a dupla João Grilo e Chicó era interpretada por Pedro Gomes e Mailson da Nóbrega. Sim!, Mailson da Nóbrega, então funcionário do Banco do Brasil de Cajazeiras e, hoje, ex-ministro da República, do governo Sarney.

Eu poderia me debruçar somente no espetáculo o Auto da Compadecida, e escreveria laudas e mais laudas sobre a história desta montagem. Mas, na verdade, eu quero fazer uma panorâmica da importância da histórica passagem de Ica por nós, deixando uma vasta contribuição cultural para a cidade que é tida e anunciada como “a cidade que ensinou a Paraíba a ler”. Não posso, neste momento, deixar de registrar aquilo que ainda continua muito vivo em minha memória, que foi a beleza do desempenho dos atores do TAC no espetáculo Auto da Compadecida.

Primorosas as interpretações de Pedro Gomes, Mailson da Nóbrega, Tantino Cartaxo (Cangaceiro), Zenildo Alcântara (Sacristão), Marcos Bandeira (Padre), Judivan (Padeiro), Lacy Nogueira (Mulher do Padeiro), Pedro Pio (Palhaço), Jarismar Gomes (Soldado), Otaviano (Jesus) e outros que possa ter esquecido, por lapso de memória, neste momento. A direção de Ica foi digna de rasgados elogios de Ariano Suassuna, que foi a Cajazeiras assistir ao espetáculo e participar de uma conferência na Semana Universitária de Cajazeiras, promovida pela Associação Universitária de Cajazeiras (AUC).

Depois de montar os espetáculos O Noviço, de Martins Pena; Afilhada de Nossa Senhora da Conceição, de Luis Marinho; O Piquenique do Tigre, Dona Xepa e A Dama do Camarote, Íracles Pires escreveu e dirigiu Fui Eu, Mas Não Espalhe, espetáculo que revolucionou o jeito novo de fazer teatro do TAC. Depois veio o clássico Édipo Rei, entre outros espetáculos de boa qualidade.

Ica, vamos dizer assim, “deu um tempo” no teatro e ingressou na política e no mundo do rádio. Passou a influenciar, através do seu programa diário de rádio “Mini Discoteca Dinamite”, os caminhos da política cajazeirense. Muito talentosa, deu um verdadeiro show, a exemplo de Zeilto Trajano, Almair Furtado e outros, na história da radiofonia do Alto Sertão paraibano.

Com a momentânea saída de Ica do Movimento Teatral Cajazeirense, entravam em cena a Moderna Equipe de Teatro Amador de Cajazeiras (Metac), de Tarcísio Siqueira; o Grupo Boiada, de Gutemberg Cardoso, e, em seguida, o Grupo de Teatro Amador de Cajazeiras (Grutac), inicialmente dirigido pelo talentoso Geraldo Ludugero e, depois, após a morte de Geraldo, eu assumiria a direção do Grutac. E aí!. .. “nos encontramos” mais uma vez, é certo, recebendo o apoio e a orientação de Dona Ica. O que foi de muita importância para a melhoria da qualidade de nossos espetáculos.

O Grutac promoveu quatro Recitais de Poesia. Em todos os Recitais, Íracles era sempre nossa convidada especial, juntamente com o poeta Tantino Cartaxo e a poetisa Teté Assis de Oliveira. Interpretando/declamando a “Negra Fulô”, de Jorge de Lima, Ica dava um verdadeiro show! Nesses “encontros poéticos” aprendi muito com Dona Ica e trago sempre no meu repertório poético, poesias que ela declamava com verdadeira mestria.

O Grutac, fundado em maio de 1973, portanto comemorando, neste 2013, seus 40 anos de fundação, assumiu a cena cajazeirense nos anos 70/80, juntamente com o surgimento dos “meninos da Higino Rolim”, o Grupo Terra, dirigido pelo talentoso Eliezer Filho.

Nos idos de 1975 a 1979, surgiu um movimento capitaneado pelo Grutac, com apoio do Cine Clube Vladimir Carvalho, dirigido pelo jornalista Nonato Guedes, para a construção de nossa primeira sala de espetáculos – o Teatro de Cajazeiras! Lá estávamos mais uma vez (eu e Ica) nos encontrando e participando de um mesmo movimento, de uma mesma luta. Fomos, através dela, participar de uma reunião para apresentar a maquete e o projeto do teatro ao então governador do Estado da Paraíba, o cajazeirense Ivan Bichara Sobreira. Vários governadores (Ivan, Burity … ) prometeram e não construíram o nosso teatro.

O tempo passou, o mundo girou, girou… E o governador Wilson Braga, que não prometeu, construiu o teatro, em 1985. Concretizava, o governador Braga, um verdadeiro sonho da classe teatral cajazeirense, que, por ironia do destino, recebia o nome daquela que também muito lutou para a edificação deste sonho: Íracles Brocos Pires, a verdadeira “Dama do Teatro de Cajazeiras”. O projeto do teatro de Cajazeiras é assinado pelas arquitetas Vera Pires e a filha de Ica, Jeanne Brocos Pires.

O último encontro. No ano de 1979, quando eu era o presidente da Associação Universitária de Cajazeiras (AUC), nos encontramos rapidamente na Estação Rodoviária de João Pessoa. Ela indo para Recife e eu embarcando para Cajazeiras. Falamos cerca de uns quinze minutos. Ela salientava a necessidade de lançar um livro que já tinha concluído. Falou sobre a capa:  – Bira, na capa de meu livro vou colocar a mais recente radiografia de meu pulmão, já que falam tanto por que eu fumo.

Dois meses depois ela nos deixava, vítima de um acidente de carro nas estradas baianas. Foi uma grande perda, transformada, hoje, numa grande saudade.

Neste ano de 2013, o Teatro Íracles Pires passa por uma grande reforma, no governo de Ricardo Coutinho. Esperamos que, com a conclusão desta reforma, a inteligência, a arte e o talento do cajazeirense ocupem o palco do “novo Ica”, virando-apresentando uma nova página da história do teatro da terra que ensinou a Paraíba a ler.

UBIRATAN DI ASSIS É TEATRÓLOGO

CORREIO DAS ARTES – ANO LXIV – Nº 7 – SETEMBRO/2013

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