Matando a bicharada

Fui pegar o jornal no jardim de casa, de manhãzinha, por volta das seis e trinta. Tiro o diário do saco plástico, abro e vou caminhando displicentemente já olhando as manchetes da capa. Sinto que esmaguei algo. Olho para o chão e vi que era um caramujo, de cerca de dois centímetros. Será que era bebê?

Quando antes estava lavando o rosto vi um pernilongo dando rasantes perto de mim. Como um gato, dei uma mãozada no ar e peguei-o dentro da mão. O pingo de sangue confirmou que massacrei o inseto que queria me picar. De quem teria sido aquele sangue?

Estava tomando café e uma mosca me enchia a paciência dando rasantes. Dei várias palmadas no ar para arrebentá-la. Ela é muito ágil e deixou-me chupando dedo. Mas também não deixei que pousasse ao meu redor. Eu ia destruí-la.

Mais tarde vi uma lagartixa passando pelo peitoril da parede da garagem de casa. Não, não quis matá-la. Deixei a bichinha em paz. Se fosse no tempo de minha infância, quando estava no sítio de meu avô ao redor de Monte Horebe-PB, já teria engatilhado a baladeira para dar uma estilingada no bicho. Ela levou sorte.

Só faltou aparecer uma barata para eu dar uma chinelada daquelas. Mas não apareceu. Quem deu o ar da graça foram formigas que estavam se enfileirando em direção ao açucareiro. Com a ponta do dedo indicador, como se estivesse fazendo um risco, dei fim àquela procissão de seres que devem ter grau elevadíssimo de diabetes.

Fui dando conta de que eu estava com instinto de assassino do reino animal, da natureza. Baixou em mim uma dor na consciência digna de ser reprimido por ecologistas radicais, como, sei lá, aquela menina sueca, como é o nome dela? Ah, não sei. Quando lembrar eu digo.

Não quis que aparecesse mais inseto, animal, ou qualquer espécie que se movimentasse em minha frente porque senão eu iria trucidar – lembrei agora do nome da menina: é Greta Thunberg.

Ontem fiquei vendo até tarde da noite no canal Animal Planet os duelos ferozes entre os bichos para sobreviverem. Eram leões, jacarés, cobras gigantescas, hienas, elefantes e mais uma infinidade animália se trucidando e se protegendo pela vida.

Será que esse meu ato animalesco, matador, é resquício das imagens daquele programa de tv?

Eu, heim! Fui ler o jornal. Depois naveguei nas redes sociais, e vi a disputa, o acirramento, a guerra ideológica dos bolsonaristas x antibolsonaristas na questão para salvar vidas do coronavírus. Cada um de nós com sua razão imutável – menos os que morreram contaminados, lógico. Matar insetos era fichinha. Até parecia que eu era uma criança brincando de matar formigas no jardim zoológico.

Mas que o presidente do país é um desequilibrado mental, ah, isso ele é.

Pronto, volta o acirramento de meus amigos bolsominions x meus amigos lulominions; meus amigos esquerdistas x meus amigos direitistas; verticalistas x horizontalistas; os machadianos x paulocoelhistas; negacionistas x cientificistas; xadrezistas x damistas; flamenguistas x vascaínos…

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