Do Riacho do Bode à imortalidade

Zé Amaro não acendeu a fogueira naquela noite de São João. Saiu em busca da parteira Naninha, ao primeiro gemido de Severina, anunciando a chegada do primogênito. Mas Francisco só chorou às sete da manhã do dia 24 de junho de 1948, no sítio Riacho do Bode, onde seu pai era morador, em São José da Lagoa Tapada, então distrito de Sousa.

Acompanhava o pai, transformado em migrante rural, de lá para cá e de cá para lá, entre fazendas, inclusive de Cajazeiras, terra de sua mãe. Nessas andanças, o menino virou cassaco em obras de emergência na seca de 1958. Não pegou pesado, é verdade, porque aprendera a ler com a mãe. Logo descobriram uma tarefa nobre para ele: ler folhetos de cordel, que homens analfabetos traziam das feiras. O menino agigantou-se diante de ouvidos atentos às histórias rimadas de poetas populares.

Foi seu primeiro contato com a literatura.

Mais tarde, teve que negociar com o pai sua ida à escola, quando já morava no sítio Caieiras, do major Lucas Moreira, patrão e pai de criação de sua mãe. Vou de manhã, pai, mas à tarde faço o serviço na roça. Assim foi estudar na cidade junto com seu irmão Bosco Amaro. Quase uma légua a vencer na ida e na volta. Daí para frente, viveu agruras e peripécias, narradas em 29 pequenos capítulos do livro As pedras do meu caminho: reminiscências, (Cajazeiras: Arribaçã, 2022), 278 páginas, incluindo Anexos com textos do professor, vereador, historiador Francisco das Chagas Amaro da Silva.

Leio como quem escuta o radialista conversar ao microfone, emendando um caso n’outro, dando topada, afastando pedras. Para isso, encontrou gente amiga, que lhe permitiu estudar e trabalhar. Os padres Vicente Freitas e Luiz Gualberto foram fundamentais, tal qual a Faculdade, criada em Cajazeiras em 1969. Chagas teve sorte e azares. O azar maior se deu quando cursava o mestrado no Rio. Após vira-e-mexe, o americano, seu orientador, retorna aos Estados Unidos, deixando ao “deus-dará” o jovem professor sertanejo.

De amores, Chagas fala pouco.

Ele atribui à rigidez do pai sua timidez enraizada. Até mesmo da vizinha de sítio, que lhe encantou, Chagas diz um quase nada. Apaixonou-se quando a menina-moça Maria Cartaxo era sua aluna no Diocesano. Hoje, o casal exibe com justo orgulho seus três filhos: Vládia, Bruno e Lorena, que já lhe deram dois netos.

A Academia Cajazeirense de Artes e Letras não figura nas reminiscências, mas à página 270 Maria brilha na foto, vaidosa por saber que, sendo esposa de imortal, nunca ficará viúva!

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