Dentro de cada pontinho de luz

Em “Tigresa”, Caetano Veloso diz que a moça dançava no “Frenetic Dancing Days”. Sempre que ouço a música, lembro de uma frenética boate que pegou fogo nos anos setenta e oitenta, em Cajazeiras: o Jovem Club, na esquina do edifício OK.

Eu olhava de longe, ficava na vontade.

Meus olhos vibravam com as batidas e meus ouvidos brilhavam com os azuis, vermelhos, verdes e amarelos que pulavam da sacada. Meu pescoço doía só em ficar observando aquele povo alegre e bonito. As moças produzidas, cintilantes, com olhos sombreados, com cabelos armados. Os rapazes sem qualquer preconceito com a dança, os penteados esquisitos e os sapatos coloridos.

Colorido era tudo. Lembro dos jogos de luz, que pulavam, ao mesmo tempo, com as canções. Um globo irradiava aqueles pontinhos até a calçada do outro lado. Eu me sentia dentro do globo, dentro de cada pontinho de luz.

Nesse tempo não havia DJ ou didjêi. Era disc-jóquei ou controlista mesmo. ABBA, Donna Summer, Gloria Gaynor, Santana e Eletric Light Orquestra passavam horas e horas nas mãos desses santos, embalando o pessoal. Da turma brasileira, passavam Rita Lee com Os Mutantes, Tim Maia, Black Rio, Jorge Ben (que ainda era Ben), alguma coisa de Raul Seixas, Erasmo Carlos, The Fevers e, claro, As Frenéticas. E até Gretchen e As Patotinhas. 

Do Jovem, ouviam-se mil gritos, risos, aplausos o tempo todo, e os passos num piso de madeira que tem tanta história quanto estória para contar.

Boatos circulam na cidade: a esquina do OK será reformada. Nada de okêi. Diálogo com o passado e tombamento do patrimônio público são cartas fora dos baralhos daqui.

Hoje não existe mais Jovem Club, nem vai existir. O “jovem” do Jovem era completamente diferente do jovem de hoje, que adora dizer que está cansado.

O jovem de hoje quer  sentir-se desocupado, febril, estressado apenas com futilidades. O jovem de hoje dança tchans sem nem saber de que são feitos os tchans. Dança o pezinho, a garrafa, a cinturinha. Até ser chamado de jovem, para ele, é um crime. Jovem, não, e adolescente, também não. “Eu sou da geração teen”, diz o boyzinho, diz a boyzinha entupida de tatuagens e piercings (pois é: aqueles brincos em tudo o que é parte do corpo).

O sorriso do jovem de hoje é amarelo, por não ser escovado com a coragem. O clube de hoje jamais seria chamado de Jovem: qualquer palavrão em inglês venderia mais ingressos. Quase no ano 2000, que parecia tão distante, o jovem é consumidor dele mesmo.

Onde estará aquele globo do Jovem Club? Que pergunta mais besta. Hoje as luzes são outras. O jovem de hoje prefere ingerir os pontinhos de luz.

Como sou careta. É que não concordo com essa suposta evolução das coisas.

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