Chico Pisco

VALIOMAR ROLIM

Para quem não conhece, Chico Pisco é um dos muitos tipos comuns do sertão. Estatura de mediana para pequena, branco, cabelo claro, franzino, teimoso e portador de toda rudeza que a inocência e a falta de instrução permitem.

Era motorista do DER (Departamento de Estradas e Rodagens), emprego excelente para quem, como ele, melhores oportunidades foram negadas. Levava sua vida mansa, sem maiores preocupações, vez que, o suprimento das primeiras necessidades o acomodava, levando-o a não enxergar outros horizontes.

A perturbar essa mansidão de vida, só os sucessivos acidentes com o caminhão que dirigia. Eram abalroamentos e capotagens que se sucediam e, aos quais, cada vez mais difícil ficava explicar. Quando inquirido por seu superior, a quem todos conheciam por “Mosquito”, falava sempre que o seu era um caso písico, querendo ele dizer psíquico, explicação que, de tão repetida, foi suficiente para lhe conferir o apelido de “Chico Pisco” e, mais que isso, para que perdesse o emprego.

Desempregado, na rua da amargura, ficou Chico Pisco ainda possuidor de um patrimônio, a farda do DER, com o que tentava enganar, alem de si próprio, aos amigos e conhecidos que sabiam de sua desdita e, sabiam mais, que o único bem lhe sobrou foi o apelido.

Quem conheceu o velho Chico, cheio de si em sua farda do DER, falando mais alto do que todos no bar de “Teve Jeito”, agora o via cada vez mais calado, soturno, enrustindo numa cara fechada o insucesso, o azar. Difícil mesmo era chamar-lhe somente de Chico, posto que o Pisco tornava-se, cada vez mais, parte desentranhável de seu nome.

A vida haveria de brilhar novamente para o velho Chico, talvez não o brilho do sol, mas, certamente o brilho da lua. Chico Pisco encontra-se mais uma vez investido de todo o poder e autoridade que uma farda pode lhe emprestar: é nomeado guarda noturno.

O período em que foi privado da condição de funcionário estadual e as humilhações sofridas com o apelido adquirido, transformaram  o velho e simpático Chico em um homem amargo. Agora, escudado na farda tal e qual um soldado medieval em sua armadura, nosso herói desandou a cometer  desatinos. Era tanto abuso de autoridade e tanto desmando que não restou a seus superiores outra escolha: tiveram que tirá-lo das ruas. Era impossível mantê-lo em contato com a população e, pelo andar da carruagem, uma tragédia poderia acontecer a qualquer momento. O que fazer com o Chico? Já pensou se ele, com aquele temperamento, aquele humor, cruza com “Os Penetras”(1), turma formada pelos piores rapazes das melhores famílias, boa coisa não ia dar.

Depois de passar algum tempo em casa Chico foi chamado à prefeitura, afinal conseguiram-lhe um local de trabalho sem grandes riscos. Seria designado para a praça de táxi, lá sua função seria tão somente atender aos telefonemas e destinar as corridas aos taxistas pela vez. Resolveu-se enfim o problema do velho Chico, ele encontrara sua paz, as autoridades podiam ficar tranqüilas pois não seriam acusadas de deixar  um pai de família desamparado, um vagabundo ganhando sem trabalhar nem deixar um celerado pondo em risco a segurança da comunidade. Ledo engano.

Período de férias escolares, cidade de interior, a tônica era uma só: estudantes desocupados, absoluta falta do que fazer, bebedeiras, bagunça, aparecimento de obras de arte (ou do demônio) sem que aparecesse o autor…  essas coisas. A turma dos Penetras, a melhor ilustração desse estado de espírito, agora reforçada pelos membros que estudavam em outras cidades, toda reunida num de seus quartéis generais, o Bar Alvorada, resolve fazer um piquenique na cabeça do Chico. Pedindo ao velho garçom Puã que traga o telefone à mesa, Roberto Senegal faz uma ligação para a praça de táxi e, identificando-se como Dr. Ruy Formiga, juiz de direito da comarca…

– Chico, tem algum soldado aí?

– Sim, Dr. Ruy, Paulo Soldado.

– Chame-o.

– Paulo!

– Às suas ordens, Doutor.

– Prenda Chico Pisco!

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO

(1) Turma de estudantes que marcou época nas décadas de 60/70 em Cajazeiras-PB, pela maneira irreverente como se divertia, pelas brincadeiras, bebedeiras e confusões em que se metia. Hoje são todos profissionais liberais, empresários, funcionários públicos e, até, avós.

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